quinta-feira, 20 de maio de 2010

Um Homem Novo Para Um Mundo Novo

† Fl. 3.20-21.
Ap. 4.1-11.

Como é o céu? Como seria viver?

Ficamos impressionados com as belíssimas imagens sobre o Reino de Deus expressas no apocalipse: um grande trono branco de onde se emana luz, e o cordeiro assentado nele, é adorado por miríades angelicais que perpetuamente o glorificam por sua vitória sobre uma vergonhosa morte de cruz; anjos que o glorificam por oferecer a humanidade com a sua vitória, mais uma oportunidade de esperança e recomeço. E uma multidão incontável de homens, de todos os povos e gerações, prostrados diante dele lhe rendem graças em sinal do reconhecimento de sua soberania, e agradecidos louvam seu nome.

Entretanto, diante de toda essa beleza, acessível à nossa mente por meio apenas da imaginação, o apocalipse contém uma infinidade de outras imagens sobre o céu que para nós, simples mortais, são difíceis de entender, que são estranhas a nossa limitada capacidade de abstração: seres andrógenos que possuem semelhanças com várias espécies de animais, com asas cheias de olhos, rostos semelhantes a pedras preciosas e semi-preciosas como o jaspe e etc.

O apocalipse possui algumas imagens sobre o céu que não se adequam à nossa compreensão ocidental de mundo, por isso, tais imagens são vistas como complexas e difíceis. Todavia, compreender o texto a partir de uma mentalidade oriental, especificadamente alegórica, é se enveredar por um caminho onde a variedade de sentidos possíveis para se interpretar o texto, são inúmeras. É preciso portanto, partir de um outro caminho, um caminho de convergência entre o descritivo e o alegórico.

Certa vez, conversando com um amigo sobre vida eterna, céu e inferno, ele afirmou que não desejava ir para o inferno, entretanto, que também não gostaria de ir para o céu. Fiquei impressionado com a sua afirmação, e a sua justificativa para defende-la foi exatamente compreender o inferno como um lugar de tormento eterno e o céu como um lugar de paz e contemplação absoluta. Ambas as imagens são típicas de uma cultua religiosa pouco elabora e simplista, porém, são reflexos do nosso modo desajeitado e improvisado de pregação: do inferno como um lugar de dor e castigo e o céu como um lugar de descanso e de recompensa.

Se o céu é um lugar de descanso perpétuo e de recompensa, para pessoas com um temperamento hiperativo, viver num lugar assim, seria o mesmo que viver no inferno. O céu seria um lugar desgraçadamente excludente, e Deus se passaria por mentiroso. Seja Deus verdadeiro, e mentiroso todo homem (Romanos 3.4).

É compreensível entendermos o céu como um lugar cujo diferencial consiste em ser superior a este mundo, um lugar melhor. Esta compreensão fundada no senso comum religioso, embora superficial, contém um profundo significado. Ensina que o céu é um lugar não sujeito às preocupações, angústias, paixões e vícios que afetam nossa decadente vida cotidiana. Refletindo um pouco mais sobre o assunto, chegaremos à conclusão de que esse lugar não pode estar sujeito às nossas turbulências, exatamente porque esse lugar não é sujeito ao tipo de homem que somos agora, porque somos nós os verdadeiros responsáveis pelo que somos hoje, decadentes, limitados, pecadores. O céu é um lugar novo para um homem novo, não o homem desse corpo abatido e seu modo limitado de experimentar a realidade, particularmente, de seu modo de pensar.

Talvez seja por isso que a linguagem simbólica sobre o céu, seja para o homem dos nossos dias, um muro que o impede de ir além. Exatamente porque tal linguagem se limita a dizer que existe uma realidade que escapa às nossas próprias limitações de compreensão do que seja a vida em sua plenitude. Sendo assim, o símbolo do céu (diferente do seu aspecto literal) não pode ser experimentado de outra maneira como intensa expectativa, esperança e saudade da nossa verdadeira pátria, e por isso mesmo, também de inquietação e angústia.

O céu é um lugar para um homem novo, sendo assim, não importa para Deus o homem que somos agora, limitados e imperfeitos, mas sim, o homem que ele quer que sejamos. É preciso, portanto que participemos desse propósito divino com compromisso, com amor. Participar desse compromisso é o próprio sentido da salvação. É salvação. O salvo é aquele que participa do compromisso divino com um homem novo. Que age para esse fim.

Vocação Cristã, Uma Vocação à Cruz.

†Zc. 3.1-10.


“Pai celeste! No mundo cá de fora, um é forte, outro é fraco. O forte - quem sabe - envaidece-se com a sua força; o débil suspira e, ai de mim, torna-se invejoso. Mas aqui, bem no interior da tua Igreja, todos somos fracos: aqui, perante tua presença - tu és o poderoso, só tu és o forte” Soren Aabye Kierkegaard.



Posso ser vítima da exigência de pessoas que criam grandes expectativas sobre mim. Posso ser vítima das exigências que faço a mim mesmo, quando idealizo uma promissora carreira profissional, uma companheira para dividir a vida ou revolucionar o mundo de alguma maneira. Quando porém, minhas expectativas (ou de outrem sobre mim) se curvam aos caprichos da minha falibilidade, é natural o surgimento de certo tipo de intolerância ao erro, ao fracasso inesperado na execução de uma tarefa ou projeto, de maneira tal, que o desânimo pode ser maior que o fôlego suficiente para retomar forças e começar tudo novamente. Às vezes não nos perdoamos quando falhamos ou quando criamos a expectativa de que o outro não irá falhar.

Quando esse tipo de comportamento atinge nossa espiritualidade, é inevitável que isso se reflita na maneira como compreendemos a Deus. Ele nos exige que sejamos santos, justos, perfeitos e bons. Uma meta a ser alcançada por corações dedicados. Entretanto, não se trata de uma meta alheia a riscos. Pelo contrário, se trata de uma meta onde o risco é absoluto: tropeções, quedas, fraquezas não superadas, perdas. A santidade é uma forma de se aprender a viver com a imperfeição e por isso, com graça. Não a nossa graça, mas a de Deus. Entretanto, existem aqueles que se recusam a acreditar nessa graça, e que por isso, flagelam-se a si mesmos. Castigam a si mesmos e culpam a Deus por isso. Deus é visto com um ser intolerante e vingativo. Ele não é visto como um Deus que ama, mas pune.

Sou um sacerdote de vestes sujas!

Por muito tempo pensei que poderia ensinar às pessoas algo sobre Deus. Hoje percebo ser tal iniciativa fruto de muita presunção. Ridícula e estúpida. Creio que fui enganado ao conferir à teologia a suma de respostas às minhas indagações a respeito dele. Fruto de um mito oriundo do mundo evangélico que me criou desde o berço, que nutriu minha imaginação infantil com leituras fantásticas e heróicas do êxodo e dos evangelhos e que posteriormente alimentaram minhas primeiras indagações teológicas juvenis.

Hoje, compreendo que sobre Deus eu não posso ensinar nada. É ele quem ensina. E se talvez, pudesse resumir toda minha vida numa máxima de sabedoria para a posteridade de teólogos e pastores cristãos, esta seria: “Compartilhe humanidade, pois Deus fará todo o resto”. O ponto final da teologia se resume nisso: em se levar a compreender que o homem é um ser em estado tão deplorável de decadência e humilhação, tão sujeito a uma infinidade de vulnerabilidades, que para ele não pode haver outra esperança que não seja do céu. Numa esperança que vem do céu. Crer nessa esperança, de que tanto a teologia acadêmica discursa, é excedê-la, é ir além dela, pois não se trata mais de princípios universalmente válidos, mas sim de um encontro solitário entre Deus e aquele que recebe essa esperança. De aprender ao pé do ouvido pela própria boca do criador. De deixar que ele fale e viver em permanente escuta.

Por isso, considero-me também um péssimo pregador. Talvez um dos piores. É característico ao mundo religioso muita reverberação, contudo, impressiona-me a erudição de uns poucos pregadores, dentre os quais jamais chegarei aos pés. Prefiro então o silêncio, ficar calado e viver apenas ouvindo. Deixar-me comover apenas pelas palavras certas.

Entretanto, diante de homens como eu, é mais fácil assumir o lugar do fariseu. É mais fácil assumir o lugar daquele que acusa e julga, e que condena. É mais fácil assumir o lugar do diabo do que o de Deus, pois o lugar de Deus ninguém toma, pois ninguém, como criaturas que somos, está ao nível de substituí-lo. É mais difícil assumir o lugar de Jesus. Daquele que não apenas perdoa pecados, mas também sustêm seus filhos pela mão para não vê-los novamente no chão. É por isso que para Deus, mais importante do que ser é o não ser.

Sendo assim, não sei se posso ser um ministro do evangelho. Não sei se tenho condições pessoais necessárias que me permitam cumprir de maneira honrosa essa função. Ter a firmeza de propósito que me permita carregar até o fim da vida essa mensagem de amor que radicalmente enfrenta até a preservação individual da própria vida. Entretanto, sei que para Deus, mais importante do que ser é não ser. E eu não sou. Mas ele é. E me disponho para humildemente ser o que ele quer que eu seja e fazer o que ele quer que eu faça. E isso o que me permite com todas as minhas limitações, ensinar, pregar o evangelho e aconselhar pessoas. É isso o que me permite realizar a vontade daquele que me chamou.