segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sermão Cerimonial

Em ocasião do lançamento do livro “O Deus de Carne”
na Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade em Copacabana
no dia 14 de março de 2009.

Mt. 14. 22-31
Mt. 25. 14-30
Ap. 4. 4; 10-11

Irmãos e irmãs,

Estamos hoje reunidos em culto solene de gratidão a Deus pela sua obra realizada em nós. Que nos inspira, com o sopro de seu Espírito, a louvar o seu nome e a comunicar a plenos pulmões a boa nova do evangelho. Até mesmo se utilizando da escrita para tal empenho. A mesma vocação dos santos apóstolos e profetas. A mesma vocação do próprio Deus, autor da nossa fé, da nossa nova vida em Cristo. Em tom poético, arriscaria dizer que Deus também é escritor.

Entretanto, desejo confessar uma preocupação : me sinto intensamente pressionado pelas circunstâncias ao redor a trair todos os meus ideais mais valiosos, ao sentido de toda a minha vida, me sinto pressionado a me tornar um homem comum. Talvez eu mate o idealista revolucionário que existe em mim. De anarquista, escolha participar de algum partido político, me torne um
funcionário público, tenha um bom salário, uma bela esposa, constitua uma família linda. De intelectual, talvez eu queime todos os meus livros e esqueça meu amor pela causa da verdade: não se dá para sobreviver só de idealismo, é preciso comer, vestir, um lugar para morar, ter um pouco de conforto e um bom nome na sociedade. De cristão eu me torne ateu e do céu eu prefira o inferno. E no final de uma curta ou longa velhice, eu morra com a sensação comum de muitos de meus contemporâneos de ter jogado a vida no lixo, ou melhor, na sepultura. De ter comido, bebido, casado, tido filhos, até que chegue o dilúvio, o meu dilúvio e me surpreenda. E depois de submerso na sepultura, seja completamente esquecido pelas gerações futuras, e depois de uns cinquenta anos de morto, ninguém mais saiba quem eu fui. Enfim, um homem comum, anônimo, imerso na multidão de vivos e de mortos. Não se trata de se ter fama ou sucesso, mas do desejo sincero de deixar um legado. Será que eu consigo parar de escrever, e deixar de ter a obsessão de querer legar meu nome e
um exemplo para as gerações futuras? Clarice Lispector escreveu sobre a vocação de escritor:

Escrevo por não ter nada o que fazer no mundo: sobrei e não há lugar pra mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias.

Diferente dela, acredito que é exatamente o hábito de escrever, que me insere no cotidiano de maneira crítica. Não sou apenas um observador do mundo, mas também participante direto do seu destino, ou seja, efeito e causa de sua história. Ser escritor, ainda mais cristão, me compromete a expressar, em parte com cérebro e noutra com o coração, através da devoção, essa caótica síntese que é viver entre o espiritual e o carnal ( como diria uma antiga fórmula luterana: semper peccator, semper iustus, semper paenitens ), deixando para as gerações posteriores simultaneamente um testemunho crítico do meu tempo, de mim mesmo e da minha fé. Esse é o meu legado, que talvez possa inspirar uma dezena de homens, quem sabe até menos que isso, e os motive a não querer passar pela vida como simples atores, porque viver não é tão fácil com decorar falas e atos dos personagens contidos num texto. Alguns como coadjuvantes, outros como atores principais, mas Deus nos chama para que de atores na vida, sejamos quem a escreve, para isso é preciso que se viva de verdade. Que tenhamos identidade espiritual, que sejamos reconhecidos pelo criador como filhos, e não deixados à orfandade espiritual. Jesus inspirou doze,
até mesmo quem o traiu. Sendo assim, não me conformo com o destino que muitas pessoas ao meu redor querem que eu tenha. Ando em cima das águas em direção ao meu mestre, temeroso pelas ondas e o vento, espantado por ter os pés em cima das ondas: Tende bom ânimo, sou eu, não temais. Disse Jesus a Pedro. Hoje, Jesus se dirige a nós e diz: .. tende bom ânimo, eu venci o mundo1. Ânimo! Pois Cristo está a espera. Mas as ondas e o vento parecem ser mais fortes e eu pequeno demais para suportar toda a violência de um mundo hostil a própria vida. Sinto as águas me envolverem: Senhor, salva-
me! A mão do meu Senhor se estende em socorro, e com ela, outras mãos se estendem também, e eu não poderia deixar de agradecer - las nesta oportunidade:

Insisto, como fiz no primeiro livro, mesmo com ressalvas, em agradecer a mulher que me fez conhecer a Cristo – Esse é o legado dela:

Não lhe agradeço por ter me dado a vida: ela não é sua. Todavia, lhe agradeço por fazer dela, exatamente nos momentos em que me faltaram os amigos, as palavras e até mesmo a força para continuar vivendo, momentos em que me fizeram recordar da maior herança que você pode me dar: a minha fé. Caminho que sigo sozinho, mas que sem você talvez eu não teria encontrado a direção certa.

Agradeço a minha congregação, a Igreja Batista de Vila Norma, por ter apoiado desde o início, com o meu primeiro livro, minha loucura em querer ser escritor, ao irmão em Cristo, grande amigo e mestre, rev. Carlos Alberto, que rendeu para este projeto inestimáveis contribuições de revisão e sugestões para o texto, juntamente com toda a sua congregação, que nos receberam, a mim e
toda a minha igreja, com todo carinho e dedicação, próprios de irmãos, deixando de lado as diferenças teológicas a fim de manter o propósito comum de nos reunirmos verdadeiramente ao redor de Jesus Cristo. Agradeço a todos que dedicaram seus esforços direta ou indiretamente com idéias, empenho e com a própria presença para a realização deste ato solene. É inestimável o valor de todos vocês para a minha vida. Senhor, nós hoje te entregamos apenas o que é teu, e muito mais que isso, de dois ou cinco talentos, fazemos quatro ou dez, e mesmo assim, envergonhado diante desta congregação, diante de todos os anjos, santos e seres que povoam o céu e diante de ti mesmo ó Deus, penso comigo mesmo: sou um servo inútil porque fiz apenas o que deveria fazer2 , sou apenas o que deveria ser. Mas o senhor nos diz: Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. E prostrados aos teus pés, entregamos a nossa coroa
diante do teu trono, a mesma que hoje, aqui e agora, nos concede pela tua grande misericórdia:
Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas.

Amigos e irmãos em Cristo, não pensem que é por algum tipo de talento meu que estamos aqui reunidos. Se assim fosse, creio que depois de lerem o livro que hoje os apresento, muitos se lamentariam por terem jogado dinheiro fora. Não, não é por esse motivo que nós estamos aqui : mas sim porque Deus está cumprindo uma promessa, e não só isso, Deus está cumprindo uma promessa a alguém que sinceramente tem consciência de que não a merece. Como bem
profetizou Isaías : Levanta em redor os teus olhos, e vê; todos estes já se ajuntaram, e vêm a ti (...) . Então o verás, e serás iluminado, e o teu coração estremecerá e se alargará3. Meu coração hoje estremece – de alegria. Isso é um milagre, o meu milagre, e Deus é louvado por isso. É exatamente por esse motivo que o criador nos presenteia com este dia: para glorificá-lo, porque tudo é dele, e nós somos apenas obra de suas mãos. Cristo é o centro, e nós apenas os horbis iluminados por sua presença, situados a sua volta. Porque nós passamos, mas ele permanece para sempre. Glorifiquemos a Cristo e tudo o que ele faz por nós. Antes que as palavras fujam, somente me resta, sinceramente à Deus lhe dirigir em oração o agradecimento:

Quem é como o Senhor nosso Deus, que habita nas alturas; que se curva; para ver o que está nos céus e na terra; que do pó levanta o pequeno, e do monturo ergue o necessitado, para o fazer assentar com os príncipes, sim, com os príncipes do seu povo4.

Por fim, gostaria de dizer a todos o meu muito obrigado, que Deus os abençoe e os inspire com fé e ousadia a sermos fiéis aos seus designos.

Sermão Cerimonial

† Leitura antifonal: Sl. 22. 1- 31.

Em ocasião do Culto Jovem realizado na Igreja Evangélica Assembléia de Deus
Ministério dos remanescentes, no dia 7 de fevereiro de 2009.

Irmãos e irmãs,

É evidente em toda a autobiografia do rei Davi ( característica particular dos salmos ), a forte
ênfase por ele deixada, de atribuir suas virtudes de guerreiro, sua força e coragem, como oriundas exclusivamente de sua dependência a Deus1. É reconhecido por ele que o menor e o mais novo dos filhos de Jessé não nasceu para ser um homem de guerra. Seu pai lhe envia para o pasto, para cuidar das ovelhas, animais domesticados com facilidade. Como ele pôde vencer um gigante se com dificuldades suportava o peso de uma armadura e de uma espada? Como então teria conseguido defender suas ovelhas de um leão e um urso?... Porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração2. É o coração desse simples pastor de ovelhas que Deus quer que lidere a nação dos hebreus. Davi se torna um rei com o coração de um pastor. Por isso ele vence, e com isso ganha aliados.
Mas quando Deus se afasta, tal circunstância motiva sua lamentação, onde reconhece que não é
forte e nem corajoso sozinho:

Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas das palavras do meu bramido, e não me auxilias? Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves; de noite; e não tenho sossego ( vv.1-2 ).

O salmista se queixa da distância de Deus. O maior herói de Israel está sozinho. Ele não é mais
forte e nem corajoso, mas frágil e tímido, não é mais o rei, mas traz à Deus em oração o simples
pastor de ovelhas. Deixa transparecer do seu íntimo a crença de que Deus o abandonou. É
exatamente nesse tipo de situação, de fraqueza interior e dúvidas, o momento oportuno para o
surgimento de inimigos, que ele representa bem, utilizando-se de símbolos de animais reconhecidos por sua força ( o touro, o leão, o cão e o búfalo ). Ele se queixa de solidão espiritual e
da intensa perseguição dos seus inimigos. O salmista reconhece que sozinho ele não é um guerreiro, que é insiguinificante diante do poder de Deus e dos homens. Sabe que não pode vencer um ou outro. Ele não ousa lutar com Deus, mesmo por uma benção como fez Jacó, sabe que mesmo se a conseguisse, isso lhe trairia marcas dolorosas para o resto da vida. Ele não ousa lutar contra os seus perseguidores, porque acredita que sem Deus seus esforços seriam inúteis. Mesmo sofrendo, não chama Deus de injusto ou cruel, apenas insiste em conhecer os motivos pelos quais Deus lhe permite sofrer. Um pecado esquecido? Uma provação? Ele não sabe responder. O salmista questiona o tempo de Deus. O salmista julga que Deus demora, sinal de inquietação, de desespero, é por isso que ele clama intensamente. Exige urgência em sua causa, de uma solução rápida e eficiente de Deus sobre o seu problema. A exigência de velocidade nos empreendimentos humanos nos faz acreditar que podemos julgar os empreendimentos divinos com a mesma medida, o que é um erro.

Certa vez, assistindo ao filme O Exorcista: O Início, a doutora Sara em conversa com o cético ex
padre Maryn, ao comentar os abusos que sofreu durante a segunda guerra mundial pelos nazistas exclama em tom profético: É do inferno que temos a melhor visão de Deus. E a parábola do rico e do Lázaro é um exemplo disso: abrindo os seus olhos no Hades e de longe vendo Abraão e Lázaro, não se ouve de sua boca sequer um sussurro de blasfêmia contra Deus, pelo contrário, reconhece que está lá por consequência de sua vida, o que ele pede é misericórdia. É exatamente quando estamos embaixo que somente temos como alternativa olharmos para cima: Elevo os meus olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra.
O salmista olha para o passado, como testemunho da ação de Deus na história do seu povo6.
Todo aquele que teme o futuro vê no passado uma forma segura para lamentar o presente7. O
salmista lamenta o seu presente. Como consequência, seu futuro fica sem perspectiva. Tendo a
sensação comum de passar anônimo no mundo, de não ter história, cujo espírito retraído e tímido
é idêntico a de muitos homens na contemporaneidade. Um grito de dor é dirigido a Deus. Há muitos gritos. Uma multidão clama por socorro! :

Antes de prosseguir em meu caminho, e lançar o meu olhar para frente uma vez mais, elevo só, minhas mãos a ti na direção de quem eu fujo. A ti, das profundezas do meu coração, tenho dedicado altares festivos para que, em cada momento, tua voz me pudesse chamar. Sobre esses altares estão gravados em fogo estas palavras: Ao Deus desconhecido. Teu, sou eu, embora até o presente tenha me associado aos sacrílegos. Teu, sou eu, não obstante os laços que me puxam para o abismo. Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servi-lo. Eu quero te conhecer, desconhecido. Tu que me penetras a alma, e qual turbilhão invades a minha vida. Tu, o incompreensível, mas meu semelhante. Quero te conhecer. Quero servir só a ti. ( Nietzsche ).

Fruto de um mundo sem Deus. Deus está morto? O homem está. A criatura sem o criador não
tem sentido, e sem sentido, o mundo passa a ser conduzido pela barbárie: A máquina expeliu o
maquinista; está correndo cegamente no espaço ( Horkheimer ). O mundo inteiro começa a ter a
sensação de que está morrendo. E Deus parece que não ouve, não fala, não vê. Sidney
Garambone, escritor brasileiro, em seu livro Eu, Deus, escreve: A ausência é a forma mais bela de presença. A ausência promove o grito de socorro do aflito que clama pela presença de Deus. Sem ausência não há grito de socorro, não há dependência da criatura pelo criador.
O salmista recorda da sua vocação, do seu chamado, e com isso reconhece o Senhor como o Deus
da sua vida. Do seu tempo, da sua história, dos seus projetos. Reconhece quem Deus é, e quem é
ele: Porém tu és santo.../ Mas eu sou verme, e não homem9. Isto significa que há um pacto, uma
aliança, que pela circunstância exige fidelidade, literalmente, que exige fé. Não se trata porém, de
se ter a mesma perspectiva de Deus, neste Salmo Davi reconhece que por não compreender os
motivos pelos quais Deus lhe permite sofrer, não consegue enxergar o mesmo que Deus. Se trata
porém de, mesmo quando não vemos o que Deus vê, deixar que ele nos guie pela mão e nos leve
onde deseja. Sinal do amparo divino diante da nossa cegueira espiritual. Embora não sabemos ao
certo por onde podemos caminhar ( como Abraão que sai sem rumo para uma terra que não
conhece e o povo hebreu no deserto ) ele vai adiante de nós. Entretanto, a grandeza de Deus não consiste em ressuscitar vivos, mas mortos. A grandeza de Deus consiste em agir apenas no fim das nossas possibilidades. Esse é o milagre. A grandeza de Deus consiste em deixar que tudo seja destruído, para que um novo céu e uma nova terra nasçam. Promessa apenas para os que crêem nele. Quando Deus permite o sofrimento do mundo e do homem, particularmente do justo, é porque ele quer construir um mundo e um homem novos:

Porque assim diz o Senhor: Como eu trouxe sobre este povo todo este grande mal, assim eu trarei sobre ele todo o bem que lhes tenho prometido.

No filme A Paixão de Cristo de Mel Gibson, uma cena em particular me levou intensamente às
lágrimas: o cansaço, aliado a intensa dor das feridas e as horas de caminhada fizeram a cruz um
peso difícil de carregar: Jesus cai no chão e Maria, sua mãe, vem ajudá-lo a se levantar. Olhando
para ela, com o rosto ensanguentado e ferido ele diz: - Veja mãe, eu faço novas todas as coisas. É
preciso passarmos pela cruz, e até morrermos nela, para dela ressuscitarmos. Novo. Glorificado. É o Cristo ressuscitado e glorificado quem diz: ... eis que faço novas todas as coisas...
No final de seu salmo, Davi canta em agradecimento pela salvação, que no meio de intensa dor,
talvez não é esperada mais. Davi agradece e seu agradecimento se torna um testemunho para os
homens de seu tempo, os povos ao redor e as gerações futuras do seu povo. Ele quer evidenciar
que a sua vida não está abandonada a própria sorte, de que existe a providência de Deus.
Providência significa estar sempre ao alcance do olhar, da misericórdia, da presença e da ação do
nosso criador. E para tanto é preciso reconhecermos nossa condição de criatura: nascidos de
Deus. Filhos dele. Sendo alvo da providência divina, toma consciência de que também precisa ser
dela um instrumento.

Diante da perseguição e do silêncio de Deus o salmista, vendo que questionar o tempo oportuno
pela qual Deus decidirá agir é inútil, olha para o passado, e nele, encontra o sentido de sua
vocação, reconhecendo por isso a supremacia de Deus sobre a sua vida, mesmo diante da dor ( da
mesma maneira como Sadraque, Mesaque e Abed-nego estavam dispostos a morrerem por sua fé, sem esperarem com isso qualquer providência de Deus em auxílio por exemplo ). É exatamente essa confiança que garante o livramento inesperado. Deus nos chama hoje à firmeza de propósito, à maturidade espiritual. Deus nos chama para sermos fiéis. Sempre. Deus nos chama para dependermos mais dele e menos de nós próprios. Reis com corações de pastores.

Que Deus nos ajude nesse compromisso.

† Diogo Alves da Conceição Santana

Uma Carta por Benjamin

Deixei explícito entre alguns de meus escritos que não gosto de ler ficção. Interessa-me obsessivamente a análise da realidade fria, sem rodeios. Acabei por escrever uma, e descobrindo que as vezes, escrevendo uma mentira digo mais verdades do que realmente gostaria de dizer. Tenho a mesma impressão com o livro Uma Carta Por Benjamin de Jana Lauxen, publicado pela editora multifoco.

Apático, anêmico, anônimo. Imerso na multidão e escondido nela. Vegetando, não vivendo, enterrado no mundo: cemitério de almas, mais do que de corpos. Acomodado, indiferente as existências que transitam ao seu redor, como também a sua própria. Imediatista, materialista, sem vida e sem futuro. Algumas almas morrem antes de seus corpos e Benjamin era uma delas. Mas alguém o matou, e foram eles, os maus amigos e uma infinidade de amores perdidos. De tanto perder amores Benjamin perdeu o coração. Nada mais lhe impressionava, nada mais lhe fazia brilhar os olhos.

De repente tudo mudou: algumas cartas enviadas por uma desconhecida chamada Madalena lhe convenceram a sair da comodidade de sua caverna e olhar o mundo, as pessoas, as coisas, sua nação. A politicagem no mundo das conspirações criminosas ( ou será que é o contrário?). Benjamin está indo longe demais... Caminhando no escuro não sabe mais onde os seus passos o levam, não sabe onde Madalena o está levando, contudo, continua caminhando.

Uma Carta Por Benjamin consiste numa estória sobre subjetividades anônimas: Benjamin e Madalena. Benjamin é desconhecido do mundo, dos amigos, da família, dos amores da vida. Madalena é desconhecida por Benjamin. Essas subjetividades quando se encontram por meio de cartas, mudam a vida um do outro. Mudam o destino de um país. Uma Carta Por Benjamin fala do anonimato presente em certas formas de heroísmo diário que ninguém vê, embora corriqueiramente passem diante dos nossos olhos, assim como, da importância que seus autores, sem nome (e dentre eles estão cada um de nós) possuem para o estabelecimento do futuro. O mundo está cheio de heróis. Eles não voam, não conseguem parar balas de aço e na possuem visão de raio x, são simples seres humanos. É exatamente isso que nos surpreende: como seres tão frágeis podem ao mesmo tempo ser tão fortes? E o que Jana Lauxen nos propõe a reflexão na vida do pacato Benjamin.



Diogo Santana.

Escritor e teólogo, autor dos livros Biografia Anônima (Editora Corifeu – 2009), O Deus de Carne: Uma Introdução a Cristologia (Editora Virtualbooks – 2009) e Fé e Anarquia Cristã (Editora Corifeu – 2007).

domingo, 20 de setembro de 2009

Comentário Sobre o Livro O Deus de Carne



" O Livro "O Deus de Carne", que evita o "teologues", tange todos os temas fundamentais da cristologia, abordando o cáustico assunto em uma linguagem acessível a todos, sem deixar de lado a seriedade e formalidade que o assunto exige.Diogo Alves é um jovem dedicado e estudioso, formado nos temas do Cristianismo desde a mais tenra idade, aprofundando e associando os mesmos à sua formação filosófica, com uma redação fluida e cativante, envolvendo o leitor nas questões teológicas mais significativas da cristologia.Como o título indica, procura refletir sobre esta aparente contradição cristológica: Como Deus, que é Espírito, pode ser encontrado em Carne na pessoa de Jesus de Nazaré?Assim, este livro, em bela e boa redação, oferece ao leitor uma introdução ao tema, ajudando aqueles que não conhecem o intrincado caminho da cristologia a conhecê-lo, com a virtude de voltar o pensamento da matéria sobre si mesma para chegar ao seu conteúdo fundamental.Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes ( Pastor da Congregação Anglicana da Santíssima Trindade em Copacabana ). -

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Orações de Soren Kierkegaard

" Pai Celestial,Não queremos que nossos pecados estejam contra nós,e sim queremos nós estar contra os nossos pecados.De maneira que cada pensamento que tenhamos de Ti, quando estes se despertam em nossa alma, seja capaz de recordarnos não dos desvios nos quaistemos estados extraviados e perdidos, mas do caminho de misericórdia no qual nos encontraste e nos salvaste por Tua Graça. "
Amém!
Pai celeste! No mundo cá de fora, um é forte, outro é fraco. O forte - quem sabe - envaidece-se com a sua força; o débil suspira e, ai de mim, torna-se invejoso. Mas aqui, bem no interior da tua Igreja, todos somos fracos: aqui, perante tua presença - tu és o poderoso, só tu és o forte”.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Prefácio de Biografia Anônima

Quando fui convidado para prefaciar este livro achei que não fosse capaz e, aproveitando que estamos sozinhos, confesso ainda não me achar. No entanto, não quis fazer essa desfeita a um amigo tão querido, pois tenho acompanhado a caminhada de Diogo Santana, quem já me proporcionou leituras fascinantes.

Neste texto me sinto convidado a assumir meu próprio eu, a me reconhecer diante de mim e dos outros. A emocionante história de Biografia anônima me ensina a comover-me com a minha própria. No entanto a ausência de maniqueísmo me faz ver que não se trata da história de alguém em especial, mas do humano; esse ser complexo que povoa esta terra, que se confunde com deuses e demônios; que hora destrói, mas no instante seguinte cria. É um equívoco dissociar nossas ações de seus autores, intitular se espirituais ou demoníacas quando, no muito, são meramente humanas. Outro equívoco é condenar o humano ao fracasso, pois o próprio Deus não o condenou. Por isso nos deixou sua palavra – a fé palavra – que se revela fonte de esperança ao humano, que enfraqueceu a si mesmo.

Fé, ingrediente indispensável para a receita da vida. Pois como já disse o teólogo ter fé é saltar no escuro, mas o que ele esqueceu de nos dizer é que caminhamos o tempo todo no escuro e, nunca sabemos onde poremos o pé no próximo passo. A verdade é que só os corajosos, ou inconseqüentes, às vezes saltam. E se saltam é porque acreditam ou que há um chão para detê-los, ou que suportam a queda. Admiro os que saltam, pela fé ou pela loucura; porque em nada se diferem, pois foi o apóstolo quem disse que Deus usa a loucura a fim de confundir a sabedoria. Pobre sabedoria, soberba e cheia de si mesma, a mais louca de todas.

Perigosa é a cultura do saber e do cientificismo que forma cirurgiões que aprendem, desde cedo, a dissecar a vida. Assim, separamos o trabalho da família, a sexualidade do amor, a fé do cotidiano acreditando que esta fé pode ser muito útil nas celebrações de domingo, mas que nada tem haver com o dia-a-dia. No entanto, a cultura da dissecação contraria a palavra de Deus que nos ensina a atar a fé/palavra ao punho e à testa, para que esta não seja por nós esquecida.

Em protesto a cultura da dissecação este texto propõe uma análise do humano a partir do próprio humano.

Não há outra maneira de falar de fé, moral, política, loucura, liberdade e amizade se não pela beleza da própria vida; do que se vive, do que se vê, do que se sente. E é com beleza que Diogo Santana nos propõe essa leitura; beleza esta que não se extrai das estruturas sociais, mas das relações humanas. Beleza que o humano recebe de seu criador.

Ao iniciar essa leitura me senti seqüestrado. Seqüestrado por mim mesmo. Pois Biografia anônima é a história de outro alguém, mas poderia muito bem ser a do próprio Diogo, ou a minha, ou a sua.


Jeferson André, Pastor adjunto da Igreja Batista da Redenção em Tomaz Coelho, Rio de Janeiro.

sábado, 16 de maio de 2009

Entrevista com Jana Lauxen

Jana Lauxen. Escritora Gaucha, editora da versão brasileira do site inglês 3:AM Magazine, e-ditora do E-Blogue.com, matadora no Beco do Crime ( site especializado em ficção policial e suspense ) e colaboradora assídua da revista Café Espacial e do Jornal Vaia ( descrição retirada do seu blog pessoal: http://janalauxen.blogspot.com/ ). Dotada de um espírito irônico e até certo ponto humorístico, expresso em seus escritos de maneira cativante, ela conquista o seu espaço como escritora. O que no Brasil não é nada fácil. Mas também não é impossível. Lançou recentemente pela editora Multifoco o seu primeiro romance Uma Carta Por Benjamin. Nessa pequena entrevista ela comenta sobre seu livro, literatura e fala sobre sua vocação como escritora.

Boa Leitura..
Vigília da Noite - De que se trata Uma Carta por Benjamin ?
É a história de um sujeito comum - que poderia ser eu ou você - que passa a receber cartas de uma mulher chamada Madalena, da qual ele simplesmente nunca ouviu falar, que o trata com carinho e intimidade e acaba o envolvendo numa trama que mistura fanatismo, drogas coloridas e autoconhecimento.
Basicamente, é isso.
Vigília da Noite - Benjamin recebe uma carta de alguém que não conhece, entretanto, ele é bem conhecido por quem lhe escreve. Isso me recorda o absurdo processo de Josef K., de Franz Kafka. Existe alguma influência deste autor em Uma Carta Por Benjamin?
Não.
Para falar a verdade, só li um livro do Kafka, que é o clássico A Metamorfose – e adorei. Apesar de estar até hoje discutindo com outros leitores em que inseto, afinal de contas, se metamorfoseou Gregor Samsa. Eu aposto numa barata, mas já ouvi teorias até de que foi numa borboleta. Ora, e desde quando borboleta tem casca???
Vigília da Noite- O primeiro capítulo do seu livro inicia com uma citação de Aleister Crowley: "Não existe Deus senão o homem". Existe em sua obra alguma influência croweliana?
Croweliana, não, mas Raulseixista sim. E Raul teve muita influência de Aleister então, acho que indiretamente, eu também tive.
Vigília da Noite- O que lhe motivou a escrever o livro?
Diversão. Me divirto horrores enquanto escrevo.
Vigília da Noite- Ser escritor: benção ou maldição?
Benção, sem dúvidas.
Eu adoro, não consigo me imaginar fazendo nenhuma outra coisa. Para falar a verdade, não sei fazer nenhuma outra coisa além de escrever, e sou infinitamente grata por poder trabalhar exatamente com aquilo que mais gosto.
Como já disse, me divirto. E trabalhar se divertindo é uma benção.
E bota benção nisso.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Comentários Sobre O Deus de Carne

" li o seu livro. cara é muito bom. apesar de ser pequeno li devagar, pois fiz muitas anotações. está muito gostoso de ler. sem falar no seu toque, que é perceptível enquanto se lê. e consegue preservar o tom teológico.cara, você está de parabéns!" ( Jeferson André, Pastor Adjunto da Igreja Batista da Redenção ).
" Confesso que ainda não tive muito tempo para ler o livro, porém acabei de ler a introdução e - para usar uma linguagem bem coloquial - o livro promete.Creio que o cristianismo carece de literaturas que, mais do que nos dizer sobre o cristianismo, nos faça pensar e produzir de forma inteligente e criativa sobre o cristianismo. Somente a introdução deste livro por si só já cumpre esse papel. Palavras inteligentes, objetivas, mas com bastante eloquência." ( Amauri, Tradutor ).

Viagem Missionária à Taubaté

Nosso sumo pastor nos chama, reconhecendo sua voz, nós o seguimos. Batistas, assembleianos, Nazarenos. Unidos, somos juntos o corpo de Jesus Cristo. Ele nos chama para ir e pregar. Hebreus 13.1-19 vai dizer que não são todos os que vão, mas apenas os santos: aqueles que se comprometem com Cristo. O objetivo da santidade é o serviço do anúncio do evangelho. E são os santos: cheios de misericórdia, obedientes, os que se renunciam, que se entregam ao reino, que anunciam.

Cristo nos chama para Taubaté. Largamos tudo e vamos em direção a ele. Inspirados por sua presença, somos agradecidos a Deus pela obra que ele tem confiado a nós - Imerecidamente.. E abençoados por ela, não podemos deixar de falar sobre tudo o que vimos e ouvimos (At.4.20). Durante cinco dias, Cristo falou. E ainda fala. Sua voz ainda reverbera em nossos corações. Aquela cidadezinha pacata do interior paulista não será mais a mesma. Os cultos, as pregações, o evangelismo nas ruas, o teatro. Agradecemos a Deus pela missão Josué na organização dessa missão e a seus líderes (Charles, Haroldo e Etienne) que com seriedade, dedicação e empenho se dispuseram a servir o Reino. Agradecemos a Deus por todos os irmãos em Cristo que conhecemos nessa viajem. Agradecemos a Deus pela igreja Assembléia de Deus Taubaté e ao seu Pastor que com todo carinho nos dedicou tempo e todos os recursos para que pudéssemos ficar bem hospedados.

Cristo contua chamando. O ardor missionário ainda nos impulsiona com ousadia, a continuarmos a tarefa que nos foi confiada. Deus ainda age na história, sendo assim, o evangelho ainda continua a ser escrito. Pelas nossas mãos. Portanto, tornai a levantar as mãos cansadas e os joelhos desconjuntados (Hb. 12.12). Engrandecido seja Deus pela sua obra em nós. Engrandecido seja o seu reino. Que sua vontade prevaleça e os seus propósitos se cumpram. E que nós, ovelhas suas, continuemos a seguir-lhe os passos.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Comentário Sobre Meu Livro "O Deus de Carne"

"escandaliza-te ou crê"
Por Silas Fiorotti:

O meu amigo Diogo Santana se propôs a falar sobre a pessoa mais extraordinária que passou pelo mundo (Jesus de Nazaré) - seu nascimento, sua morte e ressurreição. Uma história que me dá esperança para continuar lutando, uma história que me emociona por ser a expressão mais forte do ato de amar. E eu gostei muito do que encontrei no seu mais novo livro - "O Deus de carne: uma introdução a cristologia", principalmente porque o escândalo da cruz está presente (cf. Gl. 3.13). A páscoa cristã passa necessariamente por uma cruz vulgar. Eu me emocionei com as palavras do Diogo, quando ele diz que o nascimento de Jesus (Deus se fez carne) significa que

"O céu desceu até nós para fazer justiça aos homens simples do campo, de ontem e de hoje, humildes pastores de ovelhas e criadores de gado; e quando esse menino se tornar um homem dará o céu também aos doentes e excomungados pela lei e mortos pela letra, aos encarcerados, aos famintos de pão e de eternidade, as prostitutas, adúlteras e todas as mulheres subjugadas, a todo tipo de criminoso arrependido - o céu será um lugar de crianças, onde todos os adultos serão expulsos e crescer será apenas um pesadelo que já passou, contudo, é preciso crer e crer com paixão, de elevar a vida acima da perenidade do mundo." (p. 31)
Um paradoxo, o próprio Deus se torna criatura, e nos mostra o ideal de humanidade, ele verdadeiramente foi um ser humano, pessoal, único - "o único homem legitimamente humano, por isso ele é a verdade, uma verdade (ser), que nenhum homem tem, por isso ele é legitimamente Deus" (p. 41).
Jesus morreu. O Diogo destaca que "todos nós o matamos", mas também fala da "responsabilidade de Deus na morte de Jesus". Na minha opinião, quando ele fala dessa responsabilidade, parece que Deus foi injusto com seu filho, que pai enviaria seu filho para morrer? - e já vejo o Diogo me dizendo que Kierkegaard critica essa ética universalista. Mas Jesus se entregou por nossos pecados (cf. Gl. 1.4), ele foi até as últimas consequências por amor.
Eu entendo que seja apropriado nos afastarmos de uma visão sacrificialista e pensarmos na morte de Jesus como martírio que contém por um lado o seu assassinato e por outro a sua doação."Não se trata, porém, de pensar na cruz, mas de passar por ela" (p. 61). Sim, e também poderíamos dizer que não se trata de carregar a cruz ou o madeiro, porque nem mesmo Jesus fez isso (foi o Simão cireneu - cf. Mt. 27.32), mas de morrermos na cruz com Jesus.O conceito de culpa que o Diogo apresenta é o mesmo de angústia religiosa em Kierkegaard - aqui eu visualizo a conversão (a Deus e aos pobres), ele diz:

"O sentimento de culpa diante da cruz, do sofrimento de Cristo, da igreja, do próximo e do mundo, é a fonte pela qual Deus oferece o seu perdão, pois a culpa nada mais é do que o sentimento de responsabilidade diante do sofrimento alheio." (p. 62)Jesus ressuscitou!! - "o fim sempre é um novo começo". A sua ressurreição é "uma nova criação da parte de Deus", ela permite uma profunda reflexão sobre a relação entre fé e história. E diante dela a tensão: escandaliza-te ou crê!!

"a fé evangélica não se limita a uma exigência de transformação social e de crítica aos paradigmas que justificam a exploração e a desigualdade, mas também e acima de tudo, que tal transformação seja oriunda de uma reforma na identidade dos homens, (...) que os homens também mudem individualmente, (...) mais importante do que o desenvolvimento social e a justiça em si, é que tais iniciativas sejam oriundas de um coração que não seja alheio ou indiferente a tais transformações sociais, passivo, mas atuante no mundo como agente transformador." (p. 73)
E glória a Deus por sua graça, sendo que Jesus nos libertou para sermos verdadeiramente livres (cf. Gl. 5.1):

"o sentido da graça: a infinita misericórdia de Deus possibilita uma escolha ao homem: continuar no pecado (lembrando que o pecado não se limita a uma conduta moral) ao mesmo tempo em poder pertencer a uma comunidade cristã (banalizando assim a sua liberdade) ou tornar sua consciência responsável o suficiente para um contínuo exercício de avaliação moral diante de Deus." (p. 75-76)
Referência bibliográfica:SANTANA, D. O Deus de carne: uma introdução a cristologia. Pará de Minas: Virtualbooks, 2009.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Aleatórios

Desculpem minha insistente tendência a inconformidade. Não nasci para ter o destino dos outros.
Desculpem minha loucura em não me considerar apenas uma simples ferramenta do sistema que vive apenas para ser mais um, menos um, menos que todos.

Respiro ofegante, porque o mundo me sufoca e quer me matar.

Por que eu sou o menos admirado, o mais insensível e opaco dos seres humanos. Homens assim são propensos ao absurdo de não se orientar por meio de rótulos; mais do que isso, são capazes de criticá-los.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Oração Pastoral de Aelred de Rielvaux (1110-1167)


Aelred de Rielvaux ( 1110-1167), monge cisterciense inglêsOração Pastoral (in Revue bénédictine 1925, p. 283 ; trad. alt. Tournay)
«Minha ovelhas escutam a minha voz; eu as conheço e elas me seguem»
Oh Jésus, oh Bom Pastor, pastor realmente bom, pastor cheio de clemência e de ternura, a ti grita um miserável e pobre pastor -- sim, bem fraco, bem incapaz, bem inútil, e, no entanto, com tudo isso, na realidade pastor de ovelhas. A ti, oh Bom Pastor, grita este pobre pastor que está longe de ser bom; a ti ele grita, preocupado com ele próprio, preocupado com suas ovelhas... Senhor, tu conheces meu coração: tu sabes tudo o que deste a teu servidor, e ele não tem senão que um desejo, que é de entregá-lo totalmente às tuas ovelhas, de dedicar-me totalmente a elas. Muito mais, eu quereria entregar-me a mim mesmo a elas. Que assim seja, meu Senhor, sim, que assim seja!...Ensina-me somente, eu te rogo, pelo teu Espírito Santo, ensina teu servidor como ele deve se dedicar a elas. Lembra-me Senhor pela tua graça inefável, de suportar com paciência suas enfermidades, de compadecer-me delas com ternura, de curá-las judiciosamente. Que eu apreenda, inspirado pelo Espírito Santo, a consolar os aflitos, a dar coragem aos que não a tem, a reerguer aqueles que caem, a me sentir fraco com os fracos,... a fazer tudo a todos para todos salvar. Coloque sempre nos meus lábios a palavra verdadeira, a palavra certa, a palavra justa, para que todos cresçam na fé, esperança e amor, em castidade e em humildade, em paciência e obediência, em fervor de espírito e pureza de coração.Como tu lhe deste este guia cego, este mestre ignorante, este chefe incapaz, concedei, Senhor, a este mestre, ciência, luz e competência.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Entrevista com John Zerzan por John Filiss

John Zerzan pode bem ser considerado o autor mais radical no planeta. È um tanto irônico que a publicação do Unabomber, Sociedade Industrial e o suas Conseqüências*, tenha trazido os pontos de vista de Zerzan à atenção nacional – irônico porque seus escritos são muito mais radicais do que os do plantador de bombas que pensavam o ter influenciado. Para Zerzan a queda dos céus da humanidade não teve início com o industrialismo e nem mesmo com a agricultura, mas sim com a aceitação da cultura simbólica, da linguagem, da arte, e o número. A cultura, ao invés de ser vista como nossa maior emancipadora, é uma mediação a qual nos distância de uma aceitação sensual da realidade, de até aonde chega nossa capacidade de compreendermos a nós mesmos dentro do momento. A linguagem é comunicação tornando-se presa ao assunto, arte é um preenchimento de uma realidade infinitamente mais rica, número é a prática de uma semelhança ilusória que consome nosso mundo de interesse. Em seu livro de ensaios reunidos, Elementos de Rejeição e Futuro Primitivo (Elements of Refusal and Future Primitive), mapeia uma crítica primitivista que ele tem buscado no meio social anarquista nas últimas duas décadas. Sua fama recente, tendo início com um artigo publicado no New York Times, e prolongada com entrevistas de rádio e televisão, focou-se imensamente em seu status de ser um dos poucos críticos da tecnologia que não acusou o Unabomber desde o início. Com o advento de um mundo baseado na biotecnologia e na engenharia genética, pode-se colocar Zerzan na tradição dos sábios Taoístas, de Diógenes, e Rousseau como o último dos grandes expoentes do homem selvagem não limitado pelas regras dominantes – ou talvez ele seja o primeiro em uma nova tradição da qual o impacto ainda há que ser visto. * O manifesto do Unabomber veio a público em 19 de setembro de 1995, publicado no jornal Washington Post. Uma crítica a sociedade tecnológica e capitalista, supostamente escrita por Ted. Kaczynski que antes de ser preso, em 1996, enviou - ao longo de 18 anos - 16 bombas pelo correio americano, que deixaram três mortos e 23 feridos.
Q: O ambientalismo tem sido sempre um assunto um tanto depressivo para mim. Em contraste, o primitivismo sempre me pareceu confiante em sua luta para reconciliar as tensões entre humanos e o mundo natural. Ao invés de estar em oposição com a natureza, nos procuramos realizar nossos desejos de maneira, que o nosso mundo de televisões e shoppings nunca podem preencher. Quais comparações você faria entre o ambientalismo tradicional e o primitivismo?A: Eu gosto da distinção que você faz aqui, e que me parece frutífera. Para mim o primitivismo fornece um respaldo para o ambientalismo. Refere-se, como um princípio ou uma inspiração, para os dois milhões de anos durante os quais o ser humano viveu em harmonia com o meio ambiente, e não como um poder externo exercido sobre ela. O ambientalismo muitas vezes permanece com a perspectiva reformista de relevar somente alguns assuntos que são pertinentes. A percepção duma história de longa duração dos problemas ajuda, visto que, a observação das origens da degradação e da natureza bem como todas as suas facetas estão conectadas .

Q: Embora você tenha criticado tais fundamentos da civilização como a arte, linguagem, e número, você até agora absteve-se de uma crítica ao uso de ferramentas. Isto é interessante, pois a maioria das pessoas enxergaria o uso de ferramentas como um percussor direto da nossa sociedade tecnológica. Em que momento você veria o uso das ferramentas culminando em atividade alienada?A: A constatação é muitas vezes feita de maneira que haja uma suave mudança gradual entre o uso de simples instrumentos e o mundo atual de alta-tecnologia, de que não há distinção qualitativa que possa ser feita em qualquer momento ao longo dessa linha de desenvolvimento, sem um lugar para “desenhar uma linha” separando o positivo do negativo. Mas minha hipótese sobre o trabalho é a que a divisão do processo produtivo marca o momento dessa separação, com conseqüências terríveis que desdobram-se de maneira acelerada ou cumulativa. A especialização divide e estreita o individuo, instaura a hierarquia, e cria a dependência e trabalha contra a autonomia. Especialização que também impulsiona o industrialismo e desde já conduz diretamente para a crise ecológica. Ferramentas ou papéis que envolvem a divisão do trabalho engendram pessoas divididas e dividem a sociedade.

Q: Que exemplos o passado oferece a nós, pessoas que renunciaram um dado nível de tecnologia em favor de um estilo de vida mais holístico e natural?A: Um exemplo Norte Americano de pessoas que renunciaram a uma existência tecnicista e domesticada, é a do colonizador que, “partiu para Croatan.” ( Referencia aos colonizadores que habitaram a primeira colônia Inglesa em Roanoke, que à abandonaram para viver com uma tribo indígena local. Eles deixaram a inscrição “fomos para Croatan,” referindo-se à tribo – J.F) Evidentemente muito poucos Europeus abandonaram os postos avançados civilizados nos séculos 17 e 18 e se uniram as diversas comunidades Nativo Americanas.

Q: Seus escritos parecem sugerir uma Era Dourada para humanidade durante muito ou todo o período Paleolítico. Ainda assim, eu não sinto que suas idéias são contingentes sobre a idéia de um Éden no passado, no mais literal e extremo sentido. A vida um dia pode ter sido muito mais imediata e satisfatória, mas devem ter existido algumas falhas em algum momento para nos trazer ao presente. Eu estou curioso sobre em que grau você se sente anexado à idéia de uma utopia passada (a qual é claramente impossível de provar completamente), como sendo oposta à aplicação de conceitos úteis do passado sobre a base de valores presentes.A: Eu penso que você esteja certo ao sugerir que nos devíamos evitar a idealização da pré-história, de recusar sugeri-la como um estado de perfeição. De outro ponto de vista, a vida de caçador-coletor parece ter sido marcada, em geral, pela mais longa e mais bem sucedida adaptação à natureza jamais alcançada pelos seres humanos, um alto grau de semelhança entre gênero, a abstenção da violência organizada, tempo livre significante, direitos iguais na divisão dos princípios, e uma saúde livre de doenças. Desta maneira me parece instrutivo e inspirador, mesmo se imperfeito e talvez nunca totalmente conhecido para nós.

Q: Umas das questões mais frequentemente perguntadas em relação ao primitivismo, é se seus adeptos procuram um retorno literal para os estilos de vida primitivos, ou se simplesmente estão escavando o passado a procura de conceitos úteis. A: ( Panfleto anarquista de Detroit) Quinto Estado, em sua crítica parcial a civilização, tem longamente insistido que um retorno a um estado de não-civilização não é o que eles vêem como algo que seja possível ou desejável. Eu não estou convencido de que um “retorno” real deva ser descartado. Se não um retorno literal, então o que? Isto é, eu vejo isso como uma questão aberta.

Q: Bem, vamos assumir por agora que um retorno literal a um estado primitivo é desejável. Seus escritos foram até o momento uma crítica a arte, números, até mesmo a linguagem. Como você visualizaria um mundo, digamos, sem linguagem?A: Pensar em um mundo sem linguagem requer um enorme salto especulativo. De onde estamos agora é extremamente difícil sugerir princípios ou descobrir o significado da vida em um mundo baseada na comunicação não-simbólica, entretanto é claro que alguma dessa forma de comunicação existe mesmo agora. Freud achou que algum tipo de telepatia possuía forte influência antes da linguagem; amantes não precisam de palavras, como diz o ditado. Essas são dicas na direção da comunicação não mediada. Eu tenho certeza que você pode pensar em outros exemplos!

Q: Inúmeros críticos têm questionado que sua rejeição a cultura simbólica deixa o radical em potencial sem bases para desafiar a ordem existente.A: Minha sugestão de posicionamento é a que somente a rejeição da cultura simbólica provém um desafio suficientemente profundo ao que é a parte central daquela cultura. Eu posso estar errado, mas até agora eu não tenho visto argumentos persuasivos para abandonar esse ponto de vista. E mesmo se acontecer de ser um direção errada talvez o debate será frutífero em possibilidades não planejadas.

Q: Qual é sua resposta as pessoas que afirmam que o caminho da progressão tecnológica é irreversível?A: É bem possível que seja irreversível, mas a única maneira de saber é desafiando-o.Se alguém conclui que o caminho do tecno-progresso está provando ser desastroso, então esse alguém é obrigado a pará-lo, a revertê-lo. Isso é uma questão de moralidade básica, é o que me parece.

Q: Eu acho que é interessante notar o quão pouco genuína e construtiva é a crítica direcionada a tecnologia, talvez criando a idéia de que seja uma auto-realização irreversível. Em todo lugar alguém pode encontrar críticas de quase qualquer aspecto da sociedade tecnológica, mas raramente alguma que englobe o todo. A: Como muito se opõem a crítica do todo! Por exemplo, um dos princípios cardeais do ethos pós-moderno reinante é a rejeição da totalidade, rejeição da idéia exata de que podemos compreender o todo. E em geral o sistema nunca recompensou exatamente tais oposições, contra o pensamento geral. A cultura da negação é muito forte – pense em quanto o discurso político domintante é pouco questionado. É muito difícil ser publicado, muito difícil quebrar o monopólio da ignorância imposta. E, contudo a realidade, creio eu, está começando a forçar uma abertura. Nós ouvimos algumas, não muitas, mas algumas vozes que confrontam o quadro geral, seu caráter fundamental.

Q: Sua resposta à afirmação habitual de que a tecnologia é neutra.A: A Tecnologia nunca foi neutra, como uma ferramenta discreta desassociada de seu contexto. Tem sempre participado e expressa os valores básicos do sistema social no qual está embutida. A Tecnologia é a linguagem, a textura, a personificação dos arranjos sociais que ela mantém unida. A idéia de que seja neutra, de que é separável da sociedade, é uma das maiores mentiras existentes. É óbvio porque aqueles que defendem a armadilha mortal high-tech, querem que nós acreditemos que a tecnologia é de alguma maneira neutra.

Q: Não deve o abandono gradual da tecnologia ocorrer em uma base mundial, evitando que nos tornemos vulneráveis àqueles que não deixarão cair as rédeas?A: Sim, realmente parece necessário que o movimento anti-tecnológico torne-se global o mais rapidamente possível, para que consiga obter sucesso. O sistema de tecnologia e capital é global e altamente interdependente, e é somente tão forte quanto sua ligação mais fraca. A esse fato deve ser adicionado o desencanto disseminado com a “promessa” da tecnologia. Os dois são, ou serão, uma potente combinação para o nosso lado.

Q: Você acha que a maioria da população é mais desconfiada em relação à tecnologia do que a nossa dita elite política?A: Todo mundo hoje é bem saturado pela mídia e suas constantes mensagens pró-tecnologia em todos os níveis. Mas aqueles que o manifesto Unabomber* chamam de “excessivamente-socializados” são talvez mais aptos a serem uma elite política de classe média e por essa razão são provavelmente menos desconfiados da canção da sirene tecnológica. * O manifesto do Unabomber veio a público em 19 de setembro de 1995, publicado no jornal Washington Post. Uma crítica a sociedade tecnológica e capitalista, supostamente escrita por Ted. Kaczynski que antes de ser preso, em 1996, enviou - ao longo de 18 anos - 16 bombas pelo correio americano, que deixaram três mortos e 23 feridos.

P: Algum pensador(s) ou teorista(s) que você gostaria de levar à prova por uma falta de entendimento sobre os assuntos relevantes à tecnologia?R: Ainda existem muitos teoristas que parecem pouco entender a questão da tecnologia. Muitos senão todos pensadores pós-modernos evitam o assunto pela simples razão de que eles não contestam nada, rejeitando a própria idéia de um pensamento opositor. Aceitando tudo em sua maneira cínica e relativista, eles (ex. Baudrillard) certamente não enfrentam a tecnologia ou resistem a ela. Por outro lado, por exemplo, eu recomendo a Tecnologia de Lorenzo Simpson, “Tempo e as Conversações da Modernidade”, no qual demonstra como a tecnologia — com sua contrapartida intelectual, pós-modernista — esvazia a existência social e cria um clima ausente de sentido.

P: Tem havido surpreendentemente pouca oposição à instalação de câmeras de vigilância por todas cidades nos EUA. O que você pensa poder ser a implementação de uma tecnologia a qual pode finalmente provocar uma grave reação? A clonagem de um ser humano? Um computador implantado no cérebro?R: Muito consentimento a respeito de câmeras de vigilância fora dos interesses pessoais de segurança, aparentemente. Mas sim, uma pessoa pensaria que a clonagem humana ou cérebros biônicos poderiam horrorizar a maioria das pessoas. Ludditas* como eu esperam que as novas alturas invasoras de uma tecnologia sempre-colonizadora irão levar as pessoas a questionar toda sua trajetória e lógica. Como Paul Shepard disse sobre o gosto pela cultivo da terra de Gary Snyder, ele esquece que mesmo a horticultura muito simples é nada mais que o primeiro passo na estrada para a engenharia genética. É tudo uma questão de domesticação, em outras palavras. Participar e controlar ou dar nova forma a natureza, é comprometer-se com uma orientação que nos leva em direção a clonagem humana e todo resto.

P: De quais grupos você encontrou um apoio inesperado para uma visão mundial que questione o valor da tecnologia? R: Um amigo Latino meu, recentemente disse que ele achava que poucas pessoas do terceiro mundo estão agora ansiando pela tecnologia do primeiro mundo. Na medida que isto é verdade, isso demonstraria uma mudança de grande importância. Eu também noto alguns jovens vendo através dos atrativos da tecnologia. Isto é menos surpreendente, eu imagino, e eu não sei quantos garotos estão abertos a maneira de enxergar do “primitivismo”, mas isso é um desenvolvimento vital que está se espalhando, pelo menos em algum grau.
P: Quando foi a primeira vez que você enxergou através dos “atrativos da tecnologia?” Você sempre se sentiu em oposição a ela em algum nível? Existiu algum evento ou campo de estudo que primeiro provocou você a desenvolver semelhante crítica abrangendo tudo?R: Nos anos setenta lentamente começou a nascer em mim, que o conceito de “revolução,” entre outros, era de alguma maneira muito inadequado. Isto me atormentou durante um período quando eu estava fazendo meu trabalho de graduação sobre história social e trabalhista. O primeiro “avanço” importante para mim foi em termos da Revolução Industrial na Inglaterra. Especialmente, tornou-se claro que o sistema de fábricas foi introduzido em grande parte como uma maneira de controle social. Os artesões dispersados foram destituídos de sua autonomia e levados juntos para as fábricas para serem desqualificados e disciplinados. Isto mostra que a tecnologia não foi de forma alguma “neutra”. Esta descoberta me ajudou a começar a ver como a divisão do trabalho é basicamente uma subtração de poder e alienadora. Qualquer pessoa precisa olhar a tecnologia como um sistema que contêm os valores profundos da ordem social que a personifica. Nunca é uma simples questão de “ferramentas” ou dispositivos.
P: Quais são alguns dos seus próximos projetos que nos podemos esperar com entusiasmo?R: Estou trabalhando em um ensaio sobre niilismo, e tentando publicar alguns livros também. Tem que haver mais trabalhos anti-tecnológicos, e mesmo anti-civilização disponíveis ao público. Mesmo as maiorias do editores anarquistas, como a AK e a Autonomedia, não compreenderam a importância do projeto, ou o interesse em semelhante pensamento.

P: Eu gostaria de lhe perguntar mais algumas questões a respeito do Unabomber. Quando a “Sociedade Industrial e o seu Futuro*” foi pela primeira vez disponibilizado, você foi reconhecido antecipadamente como uma possível influência dos pontos de vista de FC. Você tem algum comentário sobre o tratado do Unabomber?R: Eu considero o texto Sociedade Industrial e seu Futuro um texto extremamente importante. Basicamente, ele mostra como a sociedade tecnológica torna impossível alcançar tanto a liberdade como a satisfação. De maneira muito clara, a prosa acessível explica o caminho sem saída que é o industrialismo. Jacques Ellul é claramente uma grande influência, mas eu não tenho nenhum conhecimento de qualquer influência americana contemporânea, anarquista ou de outro aspecto.*No ano de 1995 veio a público o ensaio de "A sociedade industrial e o seu futuro", no qual Kaczynski danava a moderna tecnologia em bloco. A frase inicial já dizia tudo: "A Revolução Industrial e suas conseqüências foram um desastre para a raça humana".

P: Em geral, qual é sua opinião sobre os métodos do Unabomber?R: Os métodos do Unabomber foram o resultado da frustração. Evidentemente, ele não podia encontrar outros que desejavam confrontar a loucura tecnológica, nem podia ele encontrar um editor para Sociedade Industrial e o seu Futuro, apesar de se esforçar por anos em ambas as frentes.

P: Tendo seus próprios pontos de vistas ligados a alguém que é o tema de uma investigação massiva não é necessariamente uma posição invejável. Ocorreram qualquer incidentes fora do comum antes da prisão de Ted Kaczynsky?R: No verão de 95, isso é, no ano antes da sua prisão, minha casa foi invadida. A coisa estranha sobre isto, foi o fato que minha agenda de endereços e alguns tênis esportivos foram levados, enquanto que algumas coisas portáveis e visíveis de algum valor foram deixadas intocadas. Também naquele verão, algumas cartas minhas foram interceptadas em algum lugar ao longo da linha. Em pelo menos três casos que eu verifiquei, cartas foram enviadas mas nunca chegaram ao seu destino.

P: Você se encontrou com Ted Kaczynski em diversas ocasiões, e continua a manter contato com ele. Qual é sua impressão sobre ele em um nível pessoal?R: Em minhas visitas com Ted, eu o achei educado, amigável, muito firme, e possuindo um senso de humor. Ele certamente não deu quaisquer ares de superioridade e me pareceu uma pessoa bastante paciente e auto-disciplinada. O advogado Tony Serra e eu concordamos: Ted não é louco.

P: Existiram quaisquer irregularidades no julgamento dele que você gostaria de chamar a atenção?R: Não existiu julgamento. Ele foi coagido a aceitar um acordo de súplica ( por prisão perpétua) depois que o juiz negou tanto sua tentativa de despedir e substituir seus advogados de defesa e sua tentativa de defesa própria. Ele foi deixado sem nenhuma outra alternativa senão a do argumento de insanidade que ele sempre rejeitou. O que fica visível é o fato de que o conjunto de instituições legais e políticas mantiveram-se unidas em sua recusa à permitir que ele fosse julgado em um tribunal e apresentasse suas idéias. O sistema demonstrou isso deixando claro que a pena de morte foi uma prioridade menor do que negar o direito de Ted de ser escutado. Um tratamento muito bom é o de Bill Finnegan* em “Defendendo o Unabomber” escrito no New Yorker em 16 de março, 1998 . Finnegan traz à tona os pontos acima persuasivamente, e é o único escritor a ter feito isso. * Bill Finnegan, Jornalista que publicou artigos sobre o Unabomber no Jornal New Yorker.

P: Se eu tivesse que advinhar, eu diria que muito poucas pessoas apoiaram as ações do Unabomber, mas muitos entenderam o senso de desespero e desamparo que o conduziu. Qual tem sido sua impressão dos sentimentos populares em relação ao Unabomber? Quais reservas, se alguma, tem a maioria de seus colaboradores ? R: A imprensa cobrindo o caso, especialmente as experiências jurídicas penosas, nunca pareceram tão ansiosas ou satisfeitas em suas reportagens. Eles nunca questionaram uma vez sequer a validade dos constantes escapes do advogado com respeito ao pensamento ilusório de Ted. A principal psiquiatra examinadora prontamente admitiu a Bill Finnegan que ela encontrou o delírio de Kaczynski precisamente na base de suas críticas do sistema tecnológico e seus efeitos sobre as pessoas! Uma descoberta política chocante, sem necessidade de dizer.É pouco surpreendente que o público negou qualquer pensamento independente sobre o tema, provavelmente não se tornou realmente simpáticos a ele. Outro fator é que seu advogado disse àqueles entre nós que queriam tentar organizar o entendimento e o apoio sobre o caso para desistir. Relutantemente, Ted continuou em frente com os conselhos de seus advogados, pessoa confiável que ele era. (Ele confiou neles e eles mentiram para ele, deixando-o despreparado até o tempo em que suas opções se esgotaram, eles estavam de fato fazendo exatamente o que eles disseram não fariam, nomeadamente o retratando como lunático. Tudo isso obviamente, funcionou contra qualquer leitura justa sobre o que ele defendia.

P: As proezas do Unabomber engendraram uma das mais profundas divisões na memória entre anarquistas, primitivistas, e variados eco-radicais. Seus pensamentos sobre a divisão e talvez meios de avançar além dela. R: Eu não tenho certeza se é uma divisão tão profunda porque eu tenho visto sinais de que ela já tenha se cicatrizado de algum modo. Por exemplo, existia a presença de uma voz pró-Ted no encontro nacional anual do movimento Earth First* em Round River Rendezvous. E o mais recente Live Wild or Die (#7) se identificou ativamente com sua causa e sua defesa. Em todo lugar tem havido ressonância entre alguns garotos; eu vejo isso como algo que tem crescido. Eu acho que existe menos antipatia em relação a ele, menos medo de ser identificado com o que o Unabomber representa. Com certeza, a maior razão para a que a divisão fosse reduzida – se é que foi - é que o meio social anarquista parece estar mais estavelmente anti-tecnologico e primitivista, especialmente entre o pessoal mais jovem. * Earth First! - Grupo de "ecologia profunda" que luta contra os impactos ambientais da sociedade capitalistas. Há muitos grupos do Earth First ao redor do mundo e em diversas cidades do EUA.

P: Apesar da atual indiferença por muitos anarquistas ao esquerdismo, a crítica do Unabomber ao esquerdismo é mais severa que qualquer outra coisa que eu já vi escrita por anarquistas. Você acha que os anarquistas ainda possuem as capacidades para continuarem a rejeitar todas as formas de autoritarismo mascarado como oposição? R: O esquerdismo – significando uma orientação trabalhistíca, producionista, e a mentalidade “organizada” — está em declínio em todo lugar. O fracasso dos movimentos Class War in England (Guerra de Classe na Inglaterra) em 97 e o Love & Rage (Amor e Ódio)* aqui nos EUA em 98 são claramente sinais disso. O esquerdismo está indo no caminho do “dodô” (pássaro extinto, que era incapaz de voar), entretanto ainda existem alguns remanescentes por ai. A editora AK Press é um exemplo, com seu hábito desagradável por relíquias atrapalhadas como Bookchin e Chomsky. * A Federação Revolucionária Anarquista Amor e Ódio (Love and Rage), foi uma rede anarquista que era ativa nos EUA, durante a década de 90. Devido à pontos de vista divergentes, em 1998 a Federação formalmente se dissolveu. * Federação Guerra de Classe – organização que possui suas origens na Escócia e posteriormente se dissemina e expande-se na Inglaterra após o congresso nacional organizado em Manchester, 1986, baseava-se em um política classista e combativa para determinação de seus atos. Famosa por sua crítica anti-pacifista, dissolve-se em 1997, devido a rachas internos.

P: O livro Sociedade Industrial e o seu Futuro, tomou uma abordagem mais explicitamente psicológica (ex. a discussão da atividade substituta, os efeitos da superlotação, realização individual, etc.) do que é comumente vista na literatura que se opõe à dominação tecnológica. Você sente que o Unabomber estava enfatizando uma abordagem muito necessária, porém não notada, por aqueles de nós que questionam a tecnologia e suas conseqüências? R: Sim, o livro Sociedade Industrial e o seu Futuro é, eu diria, essencialmente psicológico. Ele enfoca-se no que inevitavelmente está acontecendo ao indivíduo enquanto a tecnologia mantiver sua influência. Este é seu apelo e sua importância, a razão de porque é uma leitura irresistível. Eu acho que seu tipo de abordagem tem sido enormemente despercebida na literatura anti-autoritária, porém é consoante com o que as pessoas estão interessadas. Portanto, apesar de estar sendo uniformemente sucateada, ela ainda consegue se manter, incluindo suas múltiplas traduções ao redor do mundo.

P: Quais efeitos sociais você viu originando-se de todo o caso Unabomber, se é que houve algum? R: Eu acho que os “efeitos sociais” do caso Unabomber não podem ser vistos isoladamente. Em outras palavras, o Unabomber é só uma parte de um fenômeno maior, a consciência emergente do destino que o sistema tecnológico possui armazenado para nós e o planeta. Este caso espetacular deu abertura vital a assuntos básicos, os quais já estavam começando a destacar-se.

P: Finalmente, seus pensamentos sobre como sairmos de onde estamos agora para chegarmos a um mundo melhor. R: O agravamento da situação para a biosfera, a sociedade, e o indivíduo – a crise em todos os níveis – é o mais forte ímpeto para o repensar de tantas velhas suposições triviais e instituições. Divisão do trabalho, domesticação, até mesmo os componentes de nossa cultura simbólica e a própria civilização – tudo isso agora encontra-se com pontos de interrogação. Quando a negação começar a desabar, nós bem que poderemos ver um desafio à ordem existente que fará o movimento dos anos 60 parecer muito superficial e sem graça.

Tradução: LukatiColetivo Erva daninha.

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