sexta-feira, 2 de abril de 2010

Sermão Cerimonial

Em ocasião de palestra para o mês da EBD, ministrada no dia 04 de Abril de 2010 na Igreja Batista de Vila Norma.

† At.2.44

O Que é Comunhão Cristã ?

Palavras chave: Comunhão, Koinonia/ yadah, ágape, ética, perdão/arrependimento/ sacrifício.


“E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum”.
Um Certo Galileu
Um certo dia, a beira mar
Apareceu um jovem Galileu
Ninguém podia imaginar
Que alguém pudesse amar do jeito que ele amava
Seu jeito simples de conversar
Tocava o coração de quem o escutava
E seu nome era Jesus de Nazaré
Sua fama se espalhou e todos vinham ver
O fenômeno do jovem pregador
Que tinha tanto amor
(...)

Se toda a história do cristianismo fosse uma mentira, já seria de impressinar o fato de que um simples camponês judeu amasse tão intensamente as pessoas a ponto de ser considerado um Deus por elas. A cultura judaica não têm o hábito de endeusar pessoas, o que provocou grande alvoroço entre a elite religiosa da época. A cruz é um resultado disso. Cristo sobe à cruz porque amou. Se o amor é de fato o fundamento da fé cristã, o cristão, como discípulo de Cristo, não pode ser definido por outra coisa a não ser pelo ato de amar. E amar intensamente. Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros (Jo. 13.34-35).

É evidente no texto a sentença de que o amor é base de toda unidade. Sem amor não pode haver comunhão. Todavia, existem alguns equívocos que norteiam ambas as palavras: o amor de Cristo não se trata de um sentimento. O amor tal como a cultura popular define, enquanto puro sentimento de afeição é sempre conseqüência de um interesse sobre os benefícios que o outro pode oferecer ou oferece. Quando se convertem à Cristo, muitas pessoas são levadas a acreditar na idéia de que igreja é um lugar onde as pessoas sempre serão simpáticas, prestativas, sorridentes. Sadias física, intelectual, emocionalmente. Sem problemas financeiros ou de saúde. Ausentes de qualquer desvio de conduta e imoralidade. Elas ainda não entendem que determinadas formas de simpatia, ações prestativas e sorrisos são, muitas vezes, uma forma de marketing religioso que inaugura a sua entrada como simples curioso ou visitante em seu interior. Isso acontece pelo modo como a igreja recebe seus visitantes, mesmo de maneira não intencional. De certa forma, é inevitável um tipo de encenação. Queremos ser os mais agradáveis possíveis, amáveis e respeitosos diante do novo indivíduo que adentra no templo. Inventamos um método para que esse “corpo estranho” seja reconhecido (um cristão que está apenas de passagem, um cristão procurando uma nova igreja ou um não-crente) e trabalhado.

Para um não-crente a igreja pode parecer o céu, e isso o motiva à conversão. Todavia, a rotina da vida numa comunidade cristã não está ausente de problemas, principalmente de relacionamentos. O recém-convertido se depara com um outro tipo de igreja. Uma igreja que têm problemas de relacionamento e saúde entre seus membros, problemas financeiros, e alguns de moralidade duvidosa. Surgem ás primeiras frustrações quanto às expectativas. Ao longo de toda nossa carreira cristã serão inúmeras. Devemos compreender que todas as expectativas de um novo crente estão baseadas num conceito de amor fundado na troca. Sua conversão é um produto de todo o carinho e atenção que a igreja lhe oferece e que ele não encontra no mundo. Chegando a duas conclusões : 1) O que a igreja oferece hoje não é o amor de Deus 2) ou então, que as frustrações surgem quando tentamos sem sucesso retribuir o amor que recebemos. No primeiro caso sempre culparemos o outro (inclusive Deus) pelos nossos fracassos. No segundo caso sempre culparemos a nós mesmos. O amor de Cristo é um compromisso ético. Um amor que não busca recompensa, que ama o inimigo e que perdoa quem lhe crucifica:

Ouviste o que foi dito: Amarás ao teu próximo e aborrecerás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai a vossos inimigos, bendizei o que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus, porque faz que o sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão havereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? (Cf. Mt. 5.43-47).

Como isso é possível?

E todos os que criam estavam juntos: o texto de atos fala da fé como fundamento de unidade. Sem fé não pode haver unidade, uma máxima que não perdeu sua contemporaneidade e continua válida para os nossos dias: E todos os que crêem estão juntos. O termo grego que define essa unidade no novo testamento é Koinonia, e significa uma relação permanente de agradecimento com o divino e com o especificadamente humano. A mesma palavra no hebraico (YADAH) significa uma ação voluntária que expressa dependência absoluta em Deus e louvor ao seu nome. Em outras palavras Koinonia expressa a idéia de que a permanente dependência humana do divino é o fundamento da solidariedade entre os homens. Uma das marcas do cristianismo é a fé num Deus que é solidário ao homem.
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz (Cf. Fl. 2.5-8).

O primeiro mandamento não distingue fé de amor, algo que os judeus estavam bem familiarizados, o que inclui os cristãos da primeira geração: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento (Mt 22,37). Ele não diz “creia”, mas diz “ame”, colocando o amor como um pressuposto para a fé, nos ensinando que não pode haver fidelidade onde não existe amor. O primeiro e segundo mandamento enfatiza o amor e não necessariamente a fé, porque o amor é o primeiro tipo de sentimento que temos sobre nós mesmos e que por isso nos envolve por completo, que nos domina integralmente, que constitui nossa raiz. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estas três, mais a maior delas é o amor (lª Co. 13. 13).

Esse princípio é inúmeras vezes repetido em toda a escritura quando a relação entre Deus e o seu povo e Cristo e sua igreja é representado a partir do símbolo do casamento. Tanto no judaísmo, quanto no cristianismo, religião (religare) se estabelece como um casamento com o divino, de ser um só com ele, tal como o homem se une à sua mulher como uma só carne. É mística. Todos os que criam estavam juntos porque tinham o mesmo amor que Jesus.

Deus é solidário ás nossas fraquezas, pecados e dificuldades, á nossa pequenez diante da imensidão de um mundo cruel e desumano. Esse amor, porém não se trata de um sentimento de simples afeição. Esse amor é um compromisso ético. Esse é o sentido do amor divino, do ágape. Um amor responsável, ético. E ética nada mais significa do que o conjunto de princípios de conduta adotados por uma comunidade, a fim de garantir-lhes a sobrevivência. Ética está ligada à vida. O amor divino se interessa pela vida. Entretanto, somente podem vivê-lo quem responder a esse amor. A resposta humana ao amor divino é a ética. Todos os que criam estavam juntos porque tinham ética, a mesma ética que Jesus.

Compadecer-se de quem sofre, defender o ofendido, perdoar quem ofende. Entre os mais céticos, apenas muita poesia. Mas entre todos, um consenso absoluto: esse é o legado moral do cristianismo. É o caso da mulher adúltera ( Jo. 8.1-11), de um dos ladrões crucificado com ele (Lc. 23. 39-43), do paralítico de Betesda (Jo. 5.6-8) e etc.

O perdão: É o favor divino em busca do homem corrompido. Como um Deus santo pode se aproximar de um pecador? Perdoando seus pecados. O homem não é um ser definido moralmente. Como conseqüência, não pode ser moralmente condenado ou absolvido. Sendo assim, o sujeito é definido de outra maneira. Todo homem é pecador, fazendo o bem ou mal, sendo assim, o conceito de pecado não pode pertencer aos limites da ética, mas da moral exclusivamente. Da mesma maneira, a salvação também não pode pertencer a esses limites, vai além. Perdoar significa reconhecer que o outro não é perfeito moralmente, não é completo, e por isso, merece uma nova chance. Essa capacidade somente pode nascer num coração perdoado por Deus. O perdão nasce num coração arrependido.

O arrependimento: É a condição de olhar para si mesmo e reconhecer-se como um ser que falha, que comete erros, que não é perfeito, incompleto: moral, intelectual e acima de tudo, espiritual. O arrependimento é a condição de reconhecer-se incompleto diante de Deus e por isso, dependente dele. Esse reconhecimento surge a partir do ato do próprio Deus oferecer seu perdão em direção ao homem a fim de se aproximar dele.

Por isso, em sua essência, a missa {o culto} propriamente não é outra coisa que as citadas palavras de Cristo: “Tomai e comei” e etc., como se dissesse: “Olha, homem pecador e condenado, pela mera e gratuita caridade com que te amo, pela vontade do Pai misericordioso prometo-te, por estas palavras, a remissão de todos os teus pecados e a vida eterna, sem nenhum mérito ou voto teu. E para que estejas completamente seguro dessa minha promessa irrevogável, entregarei meu corpo e derramarei meu sangue, confirmando com minha própria morte essa promessa e deixando-te ambas as coisas como sinal e memória dessa promessa. Toda a vez que o repetires, lembra-te de mim, anuncia e louva essa minha caridade e largueza para contigo e dá graças (Lutero).

O sacrifício de Jesus nos ensina sobre a urgência de amar intensamente. Ele nos atinge como uma exigência:

Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos. Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus? Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade (1ª Jo. 3.16-18).

Exigência essa que se expressa em nossa vida em comunidade:

São João Crisóstomo destaca o efeito unificador da Eucaristia no Corpo de Cristo, que é identificado pelos cristãos como a própria Igreja: Com efeito, o que é o pão? É o corpo de Cristo. E em que se transformam aqueles que o recebem? No corpo de Cristo; não muitos corpos, mas um só corpo. De fato, tal como o pão é um só apesar de constituído por muitos grãos, e estes, embora não se vejam, todavia estão no pão, de tal modo que a sua diferença desapareceu devido à sua perfeita e recíproca fusão, assim também nós estamos unidos reciprocamente entre nós e, todos juntos, com Cristo.

Todos os que criam estavam juntos porque juntos esperavam o vitorioso Cristo ressuscitado voltar. Diante dessa expectativa a igreja fez muito, num espaço de tempo muito curto. Eles entenderam que o sacrifício de Jesus nos exige amar hoje. Agir hoje, pois não sabemos se o amanhã será uma realidade onde nós ainda estaremos presentes.

É impressionante!

O início da igreja é marcado por um vigor extraordinário, de amor inconseqüente a mensagem da cruz e a todo o legado de Jesus Cristo. De tão inconseqüente esse amor é desafiador, é contestador. Inúmeras são as prisões por insubmissão à idolatria romana, os martírios, as fugas por causa da perseguição. Entretanto, em paralelo estão os grandes sermãos dos apóstolos, cheios de entusiasmo, as campanhas missionárias, o crescimento explosivo da fé em menos de cinqüenta anos, a vida comunitária dos primeiros cristãos, pois todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e fazendas, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister (At. 2.44-45). Olhando para o passado, o presente parece apenas uma caricatura daquilo que foi o cristianismo em sua forma primitiva. De fato, tal evidência é um tanto incômoda e perturbadora – Somos de fato cristãos? Nossas ações testificam isso? Como entender tanta ousadia por parte da igreja primitiva? Se considerarmos tal ousadia como um fenômeno do Espírito Santo, arriscaria uma nova pergunta: Nós não temos do mesmo Espírito? Se considerarmos tal ousadia como um fenômeno da fé arriscaria: Nós não temos fé? O que temos então? O que somos então?

De fato, não é apenas pela expressiva militância que a primeira geração de cristãos se destaca de todas as gerações posteriores. A primeira geração de cristãos se destaca por terem sido a geração que testemunhou toda a vida, ensino, crucificação, morte e ressurreição de Jesus. Isso faz toda a diferença: ao ser crucificado Cristo é condenado pelo mundo, ao ressuscitar Cristo se torna o juiz do mundo e promete voltar para esse fim. A eminente volta de Jesus gera intensa expectativa, e diante dela, a conduta pessoal e comunitária se torna uma preocupação permanente. Como Tomé, a primeira geração de cristãos se distingue das demais por ser uma geração que creu apenas por que viu .

† Soli Deo Gloria.

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