quarta-feira, 31 de março de 2010

Sermão Cerimonial

Em ocasião de culto público, na igreja Batista de Vila Norma.
Domingo, 19 de Julho de 2009.

† Leitura Antifonal
Jr. 1. 5- 10; 17-19.

Vivemos numa geração que laureia títulos e rótulos como instrumentos para se definir pessoas, onde santidade é apenas uma questão de propaganda, e como tal, também é de dinheiro, a verdadeira alma do negócio. Uma geração que faz da sujeição uma condição vital à vida, que se importa em demasia com o transitório, o perene, o momentâneo. Rubem Alves conta a estória do pato selvagem que cansado de lutar diariamente pelo seu sustento, ao sobrevoar uma fazenda, avista um grupo de patos domésticos nadando na lagoa, recebendo comida vinda das mãos de seus donos. Indignado com aquela situação, resolve se afastar do bando e resolve descer. Na fazenda o alimento está sempre a disposição e não há esforço algum para consegui-lo. O tempo passa, e quando um novo bando de patos selvagens sobrevoa a fazenda, com saudades da vida livre que outrora tinha, o pato que agora não era mais selvagem, resolve acompanha-los em direção ao sul. Tenta voar e não consegue, porque descobre que está gordo demais para alçar vôo.

Jesus disse:

Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida, mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestido? Olhais para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? (Mt. 6. 25-26).

Jesus nos ensina a não fazer de banalidades, coisas emergenciais. Característica marcante em nosso tempo, do nosso mundo. Em 2005 o grande escritor português e prêmio Nobel de literatura José Saramago publicou um livro com um título no mínimo bem curioso: Ensaio Sobre a Cegueira. Livro que virou até filme, pelas mãos do diretor de cinema brasileiro Fernando Meirelles, lançado em 2008 no exterior. Tanto no livro, quanto no filme, Saramago imagina em sua ficção que as pessoas estão sendo contaminadas inexplicavelmente por um vírus ainda não identificado que as tornam cegas. O vírus se propaga rapidamente. O pânico é generalizado. As pessoas se isolam em suas casas com medo de serem contaminadas. As ruas ficam desertas. Ver se torna uma necessidade tão fundamental quanto comer e respirar. Nosso século é marcado pela cegueira espiritual, ratificada anteriormente pelo próprio Senhor Jesus (Cf. Lc. 6.39). O mundo não sabe para onde está indo, testificado no profundo sentimento de apatia das massas, de falta de identidade. A igreja, inserida no mundo, parece estar na mesma condição.

E não vos conformeis com este mundo, mas transformais-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm. 12.2).


Não se conformar com o mundo, não se ajustar a ele. Isso somente pode acontecer a partir de uma mentalidade diferente. O apóstolo Paulo não nos convida apenas para sermos diferentes do mundo, mas principalmente para transformá-lo. Isso significa se transformar também. Isso significa agir !

Tendo como referência para nossa meditação o texto de romanos acima citado, percebo que não há exemplo maior de inconformidade registrado na bíblia do que entre os profetas. E em ocasião do mês batista da juventude, nos é oportuna a história de um jovem profeta – Jeremias.

Jeremias é escolhido desde o ventre: diferente de algumas interpretações, isto não sugere nenhum tipo de característica especial de Jeremias. Ele não é diferente de nenhum outro homem. Tem sonhos, medos e esperanças. Ser escolhido desde o ventre indica o valor de sua missão: exortar a sua geração a não seguir os mesmos passos que a geração anterior, assim como, lançar uma ácida crítica a herança deixada pela geração de seus pais, o que em outras palavras significa romper com velhos paradigmas.

Para tanto é curioso ressaltarmos o olhar de Deus sobre Jeremias. Deus vê Jeremias como profeta: ser profeta não significa pertencer a um grupo de pessoas especiais, uma elite de homens superiores. Eles estão entre os homens comuns e os aparentemente sem vocação. Pastores de ovelhas e boiadeiros. Escribas, intelectuais, reis e sacerdotes. Ser profeta é ouvir a voz do Senhor e sob sua autoridade comunicar sua vontade. Entre o ouvir e falar está o compreender. O discurso divino passa pelo profeta de modo que ele também seja edificado por meio dela.

Para ser profeta é preciso enfrentar a multidão, até mesmo aquela que vai ao lado de Jesus. Lutar contra uma multidão para encontrar Jesus. Não há nesta batalha nenhum vestígio do sobrenatural. É preciso lutar usando as próprias forças. Zaqueu, compreendendo que não tinha forças suficientes para enfrenta-la, resolve subir numa árvore. Outro ainda, usa a voz, e aos berros procura chamar a atenção do mestre. Mas a mulher que tinha um fluxo de sangue... Ela enfrenta. E por que enfrenta? Porque beira à morte. Jesus era a única alternativa: ou enfrenta a multidão ou espera a morte. Ela não quer morrer. Por isso vai até Jesus. Para ir até Jesus ela arrisca tudo, até mesmo a própria vida! E por isso recebe tudo de volta, porque ganha vida.

Mas para enfrentar a multidão também é preciso estar disposto para ir à prisão, ao fosso, a masmorra, a cruz. Para tanto é preciso amar sem medida. Lutero escreve: Uma masmorra com Cristo é um trono, e um trono sem Cristo é um inferno.

Jeremias se vê como uma criança: Como um jovem tímido e sem qualquer tipo de carisma pessoal poderia ousar exortar sua nação ao arrependimento? Sua ousadia é oriunda da confiança de que aquilo que diz não é seu, mas de Deus. Embora Jeremias se defina inapropriado para a missão incumbida, Deus vê um outro homem em Jeremias. Um homem que o próprio Jeremias não vê. Deus olha para o futuro do homem, e sobre ele tem um projeto. Um projeto de homem novo, onde somente podemos participar atendendo o seu chamado, ouvindo sua voz e sendo obedientes a ela.

Ser um homem novo. É esse o chamado para ser profeta. Um homem novo não cabe num mundo velho, e por isso, sempre será motivo para contradições. Vitimado pela exclusão, pela cruz, pelo martírio. Mas herdeiros da vida eterna. Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o salvador, o Senhor Jesus Cristo. Que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas (Fl.3.20-21).

Um homem novo para um mundo novo. É essa a esperança que nos faz lutar contra o mundo, de ser santo. É transforma-lo por dentro.

† Soli Deo Gloria.

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