segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sermão Cerimonial

† Leitura antifonal: Sl. 22. 1- 31.

Em ocasião do Culto Jovem realizado na Igreja Evangélica Assembléia de Deus
Ministério dos remanescentes, no dia 7 de fevereiro de 2009.

Irmãos e irmãs,

É evidente em toda a autobiografia do rei Davi ( característica particular dos salmos ), a forte
ênfase por ele deixada, de atribuir suas virtudes de guerreiro, sua força e coragem, como oriundas exclusivamente de sua dependência a Deus1. É reconhecido por ele que o menor e o mais novo dos filhos de Jessé não nasceu para ser um homem de guerra. Seu pai lhe envia para o pasto, para cuidar das ovelhas, animais domesticados com facilidade. Como ele pôde vencer um gigante se com dificuldades suportava o peso de uma armadura e de uma espada? Como então teria conseguido defender suas ovelhas de um leão e um urso?... Porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração2. É o coração desse simples pastor de ovelhas que Deus quer que lidere a nação dos hebreus. Davi se torna um rei com o coração de um pastor. Por isso ele vence, e com isso ganha aliados.
Mas quando Deus se afasta, tal circunstância motiva sua lamentação, onde reconhece que não é
forte e nem corajoso sozinho:

Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas das palavras do meu bramido, e não me auxilias? Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves; de noite; e não tenho sossego ( vv.1-2 ).

O salmista se queixa da distância de Deus. O maior herói de Israel está sozinho. Ele não é mais
forte e nem corajoso, mas frágil e tímido, não é mais o rei, mas traz à Deus em oração o simples
pastor de ovelhas. Deixa transparecer do seu íntimo a crença de que Deus o abandonou. É
exatamente nesse tipo de situação, de fraqueza interior e dúvidas, o momento oportuno para o
surgimento de inimigos, que ele representa bem, utilizando-se de símbolos de animais reconhecidos por sua força ( o touro, o leão, o cão e o búfalo ). Ele se queixa de solidão espiritual e
da intensa perseguição dos seus inimigos. O salmista reconhece que sozinho ele não é um guerreiro, que é insiguinificante diante do poder de Deus e dos homens. Sabe que não pode vencer um ou outro. Ele não ousa lutar com Deus, mesmo por uma benção como fez Jacó, sabe que mesmo se a conseguisse, isso lhe trairia marcas dolorosas para o resto da vida. Ele não ousa lutar contra os seus perseguidores, porque acredita que sem Deus seus esforços seriam inúteis. Mesmo sofrendo, não chama Deus de injusto ou cruel, apenas insiste em conhecer os motivos pelos quais Deus lhe permite sofrer. Um pecado esquecido? Uma provação? Ele não sabe responder. O salmista questiona o tempo de Deus. O salmista julga que Deus demora, sinal de inquietação, de desespero, é por isso que ele clama intensamente. Exige urgência em sua causa, de uma solução rápida e eficiente de Deus sobre o seu problema. A exigência de velocidade nos empreendimentos humanos nos faz acreditar que podemos julgar os empreendimentos divinos com a mesma medida, o que é um erro.

Certa vez, assistindo ao filme O Exorcista: O Início, a doutora Sara em conversa com o cético ex
padre Maryn, ao comentar os abusos que sofreu durante a segunda guerra mundial pelos nazistas exclama em tom profético: É do inferno que temos a melhor visão de Deus. E a parábola do rico e do Lázaro é um exemplo disso: abrindo os seus olhos no Hades e de longe vendo Abraão e Lázaro, não se ouve de sua boca sequer um sussurro de blasfêmia contra Deus, pelo contrário, reconhece que está lá por consequência de sua vida, o que ele pede é misericórdia. É exatamente quando estamos embaixo que somente temos como alternativa olharmos para cima: Elevo os meus olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra.
O salmista olha para o passado, como testemunho da ação de Deus na história do seu povo6.
Todo aquele que teme o futuro vê no passado uma forma segura para lamentar o presente7. O
salmista lamenta o seu presente. Como consequência, seu futuro fica sem perspectiva. Tendo a
sensação comum de passar anônimo no mundo, de não ter história, cujo espírito retraído e tímido
é idêntico a de muitos homens na contemporaneidade. Um grito de dor é dirigido a Deus. Há muitos gritos. Uma multidão clama por socorro! :

Antes de prosseguir em meu caminho, e lançar o meu olhar para frente uma vez mais, elevo só, minhas mãos a ti na direção de quem eu fujo. A ti, das profundezas do meu coração, tenho dedicado altares festivos para que, em cada momento, tua voz me pudesse chamar. Sobre esses altares estão gravados em fogo estas palavras: Ao Deus desconhecido. Teu, sou eu, embora até o presente tenha me associado aos sacrílegos. Teu, sou eu, não obstante os laços que me puxam para o abismo. Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servi-lo. Eu quero te conhecer, desconhecido. Tu que me penetras a alma, e qual turbilhão invades a minha vida. Tu, o incompreensível, mas meu semelhante. Quero te conhecer. Quero servir só a ti. ( Nietzsche ).

Fruto de um mundo sem Deus. Deus está morto? O homem está. A criatura sem o criador não
tem sentido, e sem sentido, o mundo passa a ser conduzido pela barbárie: A máquina expeliu o
maquinista; está correndo cegamente no espaço ( Horkheimer ). O mundo inteiro começa a ter a
sensação de que está morrendo. E Deus parece que não ouve, não fala, não vê. Sidney
Garambone, escritor brasileiro, em seu livro Eu, Deus, escreve: A ausência é a forma mais bela de presença. A ausência promove o grito de socorro do aflito que clama pela presença de Deus. Sem ausência não há grito de socorro, não há dependência da criatura pelo criador.
O salmista recorda da sua vocação, do seu chamado, e com isso reconhece o Senhor como o Deus
da sua vida. Do seu tempo, da sua história, dos seus projetos. Reconhece quem Deus é, e quem é
ele: Porém tu és santo.../ Mas eu sou verme, e não homem9. Isto significa que há um pacto, uma
aliança, que pela circunstância exige fidelidade, literalmente, que exige fé. Não se trata porém, de
se ter a mesma perspectiva de Deus, neste Salmo Davi reconhece que por não compreender os
motivos pelos quais Deus lhe permite sofrer, não consegue enxergar o mesmo que Deus. Se trata
porém de, mesmo quando não vemos o que Deus vê, deixar que ele nos guie pela mão e nos leve
onde deseja. Sinal do amparo divino diante da nossa cegueira espiritual. Embora não sabemos ao
certo por onde podemos caminhar ( como Abraão que sai sem rumo para uma terra que não
conhece e o povo hebreu no deserto ) ele vai adiante de nós. Entretanto, a grandeza de Deus não consiste em ressuscitar vivos, mas mortos. A grandeza de Deus consiste em agir apenas no fim das nossas possibilidades. Esse é o milagre. A grandeza de Deus consiste em deixar que tudo seja destruído, para que um novo céu e uma nova terra nasçam. Promessa apenas para os que crêem nele. Quando Deus permite o sofrimento do mundo e do homem, particularmente do justo, é porque ele quer construir um mundo e um homem novos:

Porque assim diz o Senhor: Como eu trouxe sobre este povo todo este grande mal, assim eu trarei sobre ele todo o bem que lhes tenho prometido.

No filme A Paixão de Cristo de Mel Gibson, uma cena em particular me levou intensamente às
lágrimas: o cansaço, aliado a intensa dor das feridas e as horas de caminhada fizeram a cruz um
peso difícil de carregar: Jesus cai no chão e Maria, sua mãe, vem ajudá-lo a se levantar. Olhando
para ela, com o rosto ensanguentado e ferido ele diz: - Veja mãe, eu faço novas todas as coisas. É
preciso passarmos pela cruz, e até morrermos nela, para dela ressuscitarmos. Novo. Glorificado. É o Cristo ressuscitado e glorificado quem diz: ... eis que faço novas todas as coisas...
No final de seu salmo, Davi canta em agradecimento pela salvação, que no meio de intensa dor,
talvez não é esperada mais. Davi agradece e seu agradecimento se torna um testemunho para os
homens de seu tempo, os povos ao redor e as gerações futuras do seu povo. Ele quer evidenciar
que a sua vida não está abandonada a própria sorte, de que existe a providência de Deus.
Providência significa estar sempre ao alcance do olhar, da misericórdia, da presença e da ação do
nosso criador. E para tanto é preciso reconhecermos nossa condição de criatura: nascidos de
Deus. Filhos dele. Sendo alvo da providência divina, toma consciência de que também precisa ser
dela um instrumento.

Diante da perseguição e do silêncio de Deus o salmista, vendo que questionar o tempo oportuno
pela qual Deus decidirá agir é inútil, olha para o passado, e nele, encontra o sentido de sua
vocação, reconhecendo por isso a supremacia de Deus sobre a sua vida, mesmo diante da dor ( da
mesma maneira como Sadraque, Mesaque e Abed-nego estavam dispostos a morrerem por sua fé, sem esperarem com isso qualquer providência de Deus em auxílio por exemplo ). É exatamente essa confiança que garante o livramento inesperado. Deus nos chama hoje à firmeza de propósito, à maturidade espiritual. Deus nos chama para sermos fiéis. Sempre. Deus nos chama para dependermos mais dele e menos de nós próprios. Reis com corações de pastores.

Que Deus nos ajude nesse compromisso.

† Diogo Alves da Conceição Santana

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