segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sermão Cerimonial

Em ocasião do lançamento do livro “O Deus de Carne”
na Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade em Copacabana
no dia 14 de março de 2009.

Mt. 14. 22-31
Mt. 25. 14-30
Ap. 4. 4; 10-11

Irmãos e irmãs,

Estamos hoje reunidos em culto solene de gratidão a Deus pela sua obra realizada em nós. Que nos inspira, com o sopro de seu Espírito, a louvar o seu nome e a comunicar a plenos pulmões a boa nova do evangelho. Até mesmo se utilizando da escrita para tal empenho. A mesma vocação dos santos apóstolos e profetas. A mesma vocação do próprio Deus, autor da nossa fé, da nossa nova vida em Cristo. Em tom poético, arriscaria dizer que Deus também é escritor.

Entretanto, desejo confessar uma preocupação : me sinto intensamente pressionado pelas circunstâncias ao redor a trair todos os meus ideais mais valiosos, ao sentido de toda a minha vida, me sinto pressionado a me tornar um homem comum. Talvez eu mate o idealista revolucionário que existe em mim. De anarquista, escolha participar de algum partido político, me torne um
funcionário público, tenha um bom salário, uma bela esposa, constitua uma família linda. De intelectual, talvez eu queime todos os meus livros e esqueça meu amor pela causa da verdade: não se dá para sobreviver só de idealismo, é preciso comer, vestir, um lugar para morar, ter um pouco de conforto e um bom nome na sociedade. De cristão eu me torne ateu e do céu eu prefira o inferno. E no final de uma curta ou longa velhice, eu morra com a sensação comum de muitos de meus contemporâneos de ter jogado a vida no lixo, ou melhor, na sepultura. De ter comido, bebido, casado, tido filhos, até que chegue o dilúvio, o meu dilúvio e me surpreenda. E depois de submerso na sepultura, seja completamente esquecido pelas gerações futuras, e depois de uns cinquenta anos de morto, ninguém mais saiba quem eu fui. Enfim, um homem comum, anônimo, imerso na multidão de vivos e de mortos. Não se trata de se ter fama ou sucesso, mas do desejo sincero de deixar um legado. Será que eu consigo parar de escrever, e deixar de ter a obsessão de querer legar meu nome e
um exemplo para as gerações futuras? Clarice Lispector escreveu sobre a vocação de escritor:

Escrevo por não ter nada o que fazer no mundo: sobrei e não há lugar pra mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias.

Diferente dela, acredito que é exatamente o hábito de escrever, que me insere no cotidiano de maneira crítica. Não sou apenas um observador do mundo, mas também participante direto do seu destino, ou seja, efeito e causa de sua história. Ser escritor, ainda mais cristão, me compromete a expressar, em parte com cérebro e noutra com o coração, através da devoção, essa caótica síntese que é viver entre o espiritual e o carnal ( como diria uma antiga fórmula luterana: semper peccator, semper iustus, semper paenitens ), deixando para as gerações posteriores simultaneamente um testemunho crítico do meu tempo, de mim mesmo e da minha fé. Esse é o meu legado, que talvez possa inspirar uma dezena de homens, quem sabe até menos que isso, e os motive a não querer passar pela vida como simples atores, porque viver não é tão fácil com decorar falas e atos dos personagens contidos num texto. Alguns como coadjuvantes, outros como atores principais, mas Deus nos chama para que de atores na vida, sejamos quem a escreve, para isso é preciso que se viva de verdade. Que tenhamos identidade espiritual, que sejamos reconhecidos pelo criador como filhos, e não deixados à orfandade espiritual. Jesus inspirou doze,
até mesmo quem o traiu. Sendo assim, não me conformo com o destino que muitas pessoas ao meu redor querem que eu tenha. Ando em cima das águas em direção ao meu mestre, temeroso pelas ondas e o vento, espantado por ter os pés em cima das ondas: Tende bom ânimo, sou eu, não temais. Disse Jesus a Pedro. Hoje, Jesus se dirige a nós e diz: .. tende bom ânimo, eu venci o mundo1. Ânimo! Pois Cristo está a espera. Mas as ondas e o vento parecem ser mais fortes e eu pequeno demais para suportar toda a violência de um mundo hostil a própria vida. Sinto as águas me envolverem: Senhor, salva-
me! A mão do meu Senhor se estende em socorro, e com ela, outras mãos se estendem também, e eu não poderia deixar de agradecer - las nesta oportunidade:

Insisto, como fiz no primeiro livro, mesmo com ressalvas, em agradecer a mulher que me fez conhecer a Cristo – Esse é o legado dela:

Não lhe agradeço por ter me dado a vida: ela não é sua. Todavia, lhe agradeço por fazer dela, exatamente nos momentos em que me faltaram os amigos, as palavras e até mesmo a força para continuar vivendo, momentos em que me fizeram recordar da maior herança que você pode me dar: a minha fé. Caminho que sigo sozinho, mas que sem você talvez eu não teria encontrado a direção certa.

Agradeço a minha congregação, a Igreja Batista de Vila Norma, por ter apoiado desde o início, com o meu primeiro livro, minha loucura em querer ser escritor, ao irmão em Cristo, grande amigo e mestre, rev. Carlos Alberto, que rendeu para este projeto inestimáveis contribuições de revisão e sugestões para o texto, juntamente com toda a sua congregação, que nos receberam, a mim e
toda a minha igreja, com todo carinho e dedicação, próprios de irmãos, deixando de lado as diferenças teológicas a fim de manter o propósito comum de nos reunirmos verdadeiramente ao redor de Jesus Cristo. Agradeço a todos que dedicaram seus esforços direta ou indiretamente com idéias, empenho e com a própria presença para a realização deste ato solene. É inestimável o valor de todos vocês para a minha vida. Senhor, nós hoje te entregamos apenas o que é teu, e muito mais que isso, de dois ou cinco talentos, fazemos quatro ou dez, e mesmo assim, envergonhado diante desta congregação, diante de todos os anjos, santos e seres que povoam o céu e diante de ti mesmo ó Deus, penso comigo mesmo: sou um servo inútil porque fiz apenas o que deveria fazer2 , sou apenas o que deveria ser. Mas o senhor nos diz: Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. E prostrados aos teus pés, entregamos a nossa coroa
diante do teu trono, a mesma que hoje, aqui e agora, nos concede pela tua grande misericórdia:
Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas.

Amigos e irmãos em Cristo, não pensem que é por algum tipo de talento meu que estamos aqui reunidos. Se assim fosse, creio que depois de lerem o livro que hoje os apresento, muitos se lamentariam por terem jogado dinheiro fora. Não, não é por esse motivo que nós estamos aqui : mas sim porque Deus está cumprindo uma promessa, e não só isso, Deus está cumprindo uma promessa a alguém que sinceramente tem consciência de que não a merece. Como bem
profetizou Isaías : Levanta em redor os teus olhos, e vê; todos estes já se ajuntaram, e vêm a ti (...) . Então o verás, e serás iluminado, e o teu coração estremecerá e se alargará3. Meu coração hoje estremece – de alegria. Isso é um milagre, o meu milagre, e Deus é louvado por isso. É exatamente por esse motivo que o criador nos presenteia com este dia: para glorificá-lo, porque tudo é dele, e nós somos apenas obra de suas mãos. Cristo é o centro, e nós apenas os horbis iluminados por sua presença, situados a sua volta. Porque nós passamos, mas ele permanece para sempre. Glorifiquemos a Cristo e tudo o que ele faz por nós. Antes que as palavras fujam, somente me resta, sinceramente à Deus lhe dirigir em oração o agradecimento:

Quem é como o Senhor nosso Deus, que habita nas alturas; que se curva; para ver o que está nos céus e na terra; que do pó levanta o pequeno, e do monturo ergue o necessitado, para o fazer assentar com os príncipes, sim, com os príncipes do seu povo4.

Por fim, gostaria de dizer a todos o meu muito obrigado, que Deus os abençoe e os inspire com fé e ousadia a sermos fiéis aos seus designos.

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